A lâmina
Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga/MG)

O garoto está agitado. A mãe o repreende com um olhar, mas logo aquiesce. Sabe o quanto significa aquele momento para ele. O pai e o avô conversam na pequena oficina. Presa a uma morsa, o objeto de desejo; uma bela faca! O pai, cuteleiro renomado, sente um prazer todo especial em cada peça que produz. Martela e molda o aço sob temperaturas superiores a 860ºc. De sua forja já saíram obras incandescentes que foram vendidas por altas somas. Aquela é a mais especial de todas. Irá presentear o filho, que já próximo dos seus quatorze anos, deve possuir uma lâmina de qualidade.
Acampamentos e pescarias são atividades comuns naquela família. O garoto já começa a exibir alguns traços de homem, mas seu desespero em ver seu lindo presente terminado mostra que ainda é, em seu interior, um garoto deslumbrado. Não é diferente do pai, pois ele também sabe que grande parte do seu ser é um menino deslumbrado. Militâncias em depósitos de ferro velho renderam muitas peças de aço de alta qualidade para confeccionar suas lâminas. Suas obras de arte sempre brotaram das peças mais inverossímeis, transformadas em ferramentas de extrema qualidade e beleza.
A faca do filho foi concebida a partir de uma velha grosa de casquear cavalos. A grosa pertenceu a seu avô e aguardava em um canto da oficina a oportunidade de voltar a ser útil. Seu aço de extrema qualidade foi trabalhado com primor e as iniciais do garoto gravadas a ferro e fogo. A batida do malho contra o metal paralisou por instantes as atividades do filho, onde ele sonhava com sua faca pronta. Ficou mais prestativo que o normal. Buscava lenha, alimentava os animais e fazia muitos dos trabalhos do pai, para que ele se concentrasse em sua faca.
A faca passou um dia presa à morsa, para que sua empunhadura em aroeira ficasse bem fixa com os pinos, bem como a guarda da mesma. O garoto a vigiou durante algum tempo, indo dormir logo depois. No dia seguinte, ela não estava mais lá. O pai a levou para aplicar um acabamento diferenciado na casa de um amigo, também cuteleiro. Ali a faca ficou por mais um dia desesperante. Depois foi acondicionada na bainha especialmente feita para ela. Os olhos do garoto brilharam. Retirou seu presente da bainha e sorriu ao ver seu rosto refletido no acabamento espelhado da lâmina. O pai se orgulhou ainda mais daquele garoto. As tecnologias não o escravizaram. Apesar de possuir de tudo, sempre deu mais importância às coisas da vida no campo. Após as recomendações e cuidados com a lâmina, o garoto se reuniu com primos e amigos e exibiu orgulhoso seu presente. Aquele elo o unia ainda mais ao pai. A mãe, ainda temerosa com tamanho artefato nas mãos do filho, ficou feliz por eles, por ainda poderem ser homens em uma terra de arremedos...
(Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor do Unifor-MG e coordenador do Laboratório de Mineralogia do Unifor)
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