BONS TEMPOS – 3

Eduardo Ribeiro (de Formiga)

BONS TEMPOS – 3
Eduardo Ribeiro de Carvalho é membro da Academia Formiguense de Letras




Essa é uma pequena história sobre o José Altino, moço que será identificado e qualificado no decorrer desta narração. Que tem como cenário principal as águas represadas do Rio Grande, quando começaram a encher as terras desapropriadas para esse fim, com o intento de formar um imenso lago que proveria as turbinas da já então famosa usina de Furnas. Um belo espetáculo para quem viu. As águas chegavam devagar e iam encobrindo tudo, mato, árvores, casas e foram aos pouquinhos formando o lago que hoje vimos em toda a região próxima à de cidade de Formiga e adjacências. Hoje, polo turístico estruturado e valioso, denominada região de Furnas, é procurado como área de lazer e habitação por quase todas as pessoas das Minas Gerais, e porque não dizer do Brasil e do Mundo.

Muitos moradores de Formiga iam constantemente ao local para apreciar a evolução da invasão das águas, e lá no Bairro do Engenho de Serra tinha uma turminha que estava sempre presente no local. Dentre eles havia um rapaz que era a ovelha negra do grupo, sempre aprontando alguma coisa, via de regra, coisa errada, que chateava bastante os restantes dos meninos. Seu nome era José Altino, como citado no início desse conto -  morava na parte alta do bairro, perto da linha do trem. Moreno, de estatura e envergadura acima do normal para sua idade, cabelos pretos, mostrando sempre um insistente topete tipo “Elvis Presley” o famoso cantor de rock que naquela época estava vivo e cantando muito, com sucesso em todo o mundo. Este topete era a sua “marca registrada”, onde, ele, quase a todo momento, enfiava a ponta de um pente de cerdas na cor vermelha, fininhas, de nome Flamengo, que era também muito utilizado na época e dava um pequeno puxão para frente e o tal topete surgia como mágica em sua testa indo até as sobrancelhas do dito cujo.

José Altino gostava de se exibir e o levado menino demonstrava mesmo não ter medo de nada. A turma se lembra muito bem quando certa vez eles foram passear lá pelos lados da mg.050, e resolveram pegar algumas frutas numa fazendinha abandonada que havia nas imediações. Só que a casa existente no local, que resistia bravamente ao tempo, sem desmoronar, era muito velha quase caindo, meia sem telhas, as paredes descascadas, portas e janelas arrancadas, e o que era pior, tinha fama de ser mal-assombrada. Ela apresentava mesmo um aspecto tenebroso, mas, como ainda era dia, a turma resolveu entrar no pomar da casa. O malfazejo do Jose Altino, sem que ninguém percebesse, entrou sorrateiramente na dita casa pelos fundos, fez um barulhão lá dentro e saiu pela porta da frente dando gargalhadas, procurando pelos seus companheiros, não os achando, porque àquela altura, visto o susto que tomaram, já tinham dado no pé, para bem longe dali, sem as deliciosas frutas que almejaram apanhar.

Uma outra vez, o famigerado José Altino, arvorado como sempre, pegou escondido o revólver de seu irmão mais velho, entrou no bar do Seu Antônio, que ficava na rua principal, do bairro, dizendo que ia dar uns tiros nas garrafas, que se encontravam todas arrumadinhas na prateleira que havia junto à parede de fundo do estabelecimento. Os poucos fregueses que ali estavam, saíram correndo como puderam, para todos os lados. José Altino acabou por não cumprir a ameaça, desestimulado que foi pelo dono do bar, possuidor que era de um jeitinho especial para lidar com esse tipo de situação, que acontecem frequentemente em estabelecimentos desse gênero, ou seja, que vendem muita bebida alcoólica, notadamente a velha e conhecida cachaça, que é capaz de tontear um ser humano se utilizada em demasia, a ponto de o usuário provocar situações de desespero e risco.

Muito bem, agora vem o caso que o menino José Altino aprontou, que é basicamente a razão dele ser o protagonista deste caso. A turma já citada, em um belo dia de sol, resolveu ir até as águas de Furnas para pescar e o José Altino estava presente, contrariando a vontade da turma, mas, fazer o quê, era aceitar ou ficar sujeita às possíveis retaliações do desagradável sujeito.          

Fato é que lá chegaram. O lago formado recentemente estava belíssimo, com suas águas azuis estendendo-se ao longe.

Que maravilha.

Porém, ainda mostrava à sua superfície, frondosas copas de grandes árvores que não estavam totalmente submersas, retratando a grande inundação que ali houvera em prol do progresso do ser humano, que não mede esforços para realizar e construir coisas que possibilitem seu conforto e bem-estar enquanto morador neste planeta chamado Terra, não importando se para isso fosse necessário virar o planeta de cabeça para baixo, ou ao avesso, sejam lá quais forem as consequências desses atos. A casa da Fazenda do Senhor Paulo Henrique, outrora conhecido como poderoso “Coronel” da Região, uma das muitas desapropriadas pelo Governo, para abrigar as águas que seriam represadas para alimentar a grande represa de Furnas, que supririam boa parte da demanda de energia do Estado de Minas Gerais, ainda não tinha sido alcançada por elas, por situar-se num ponto mais alto do terreno. Sua imponente construção do século passado, abandonada, poderia ser vista ao longe, por quem passasse pela estrada de terra chegando às águas. Dela era possível ser expectador da incrível beleza azul do lago, com suas pequena e intermináveis ondas provocadas pelo suave vento que por ali soprava sempre.

Os rapazes chegaram ao local à tardinha e era nessa histórica casa que pernoitavam, quando por ali se aventuravam.

Para não perderem tempo, dirigiram-se rapidamente ao lago com suas varas de pescar, pois, o jantar só estaria garantido, se conseguissem tirar algum peixe daquelas maravilhosas águas.

Dentre várias coisas abandonadas no local, a exemplo da própria casa, havia também várias canoas velhas, remos, barcos, madeiras espalhadas por todo lado, restos dos antigos paióis, dos antigos currais, cercas, e tudo o mais que algum dia foi útil aos moradores da época passada.  Os meninos pegaram uma das canoas que parecia estar em melhor condição, embora estivesse furada, mas, vazava devagar, o que permitia que a água, na medida em que entrava em seu bojo, fosse também retirada com um pequeno balde. Remaram então para centro do lago, onde imaginava-se que seria o lugar onde os peixes estariam. Ficaram ali então todos bem caladinhos, porque falatório espanta os peixes. Contudo, sem que ninguém percebesse, tal era a concentração de todos na pescaria, a canoa, tocada pela brisa, foi deslizando mansamente, por sobre as águas mansas, até que de repente enfiou o bico para dentro de uma daquelas copas de árvores ainda não submersa. Até aí tudo bem. Só que por azar da turma, naquela copa estava alojada uma imensa caixa de marimbondos, ao que parecia, estavam resistentes em deixar o seu lar em face ao perigo da invasão das águas. E não era qualquer maribondo não, era os famosos marimbondos denominados “cavalos”, tal era o seu tamanho, o triplo ou mais do marimbondo comum, e sua picada possivelmente doía também o triplo do maribondo comum.

Foi a conta.

A “marimbonzada” caiu certeira para cima dos cangotes dos compenetrados pescadores, e aí foi aquele Deus nos acuda. Foi gente pulando para a água, de roupa, sapato, mochila, vara de pescar, latinha de minhocas e etc., após as picadas dos ferozes vespídeos.

Um a um os famigerados e derrotados pescadores foram chegando às margens do lago, com suas roupas coladas ao corpo e grande expressão de dor estampada em seus semblantes.

O castigo dado pelos marimbondos fora realmente caprichado.

Subitamente, alguém observou a canoa lá debaixo da copa da árvore e chamou a atenção de todos: o José Altino não pulou da canoa. De fato todos viram o malédico dentro da canoa numa posição meia que esquisita, o corpo dele estava dentro dela, mas sua cabeça estava enfiada dentro da água. De quando em vez ele retirava a cabeção de dentro da água, resfolegava, voltava com ela de novo para a água. Ficou fazendo esse movimento até que os marimbondos acalmaram e foram embora, momento em que ele pegou um dos remos e remou de volta para às margens. Ninguém entendeu muito bem porque ele resolveu sofrer com a picadas dos marimbondos, ele saiu bem maltratado, com dores lancinantes, contudo, o comentário geral era que ele quis como sempre demonstrar que era mais forte do que todo mundo. Sua fama de meio doido e perigoso realmente aumentou muito depois desse acontecimento.

 Todavia, muito tempo depois foi que ele confessou a alguém, não se sabe quem, que não sabia nadar e diante daquela situação, para não morrer afogado caindo na água, o jeito foi salvar o rosto, deixando o corpo para alvo das ferroadas.