Crônica: Cliente bão
Manoel Gandra (de Formiga/MG)

O salão do Zezico Barbeiro era no alto da Rua Silviano Brandão, quase na Praça São Vicente Férrer, ao lado do Bar do Zé Carioca. Ali, todas as tardes, formava-se uma turma para jogar conversa fora.
Bom papo e pessoa das melhores, Zezico tinha um balaio de amigos. No sábado pela manhã, o movimento era maior. Virava uma festa.
Sujeito muito caprichoso, o barbeiro era proprietário de um fusquinha 72 de encher os olhos. Um brinco. Quem dava manutenção era o Bill, um mecânico da Volks, que nas horas vagas fazia um favorzinho para o amigo. Não cobrava nunca.
Pouco tempo antes de morrer, Zezico foi ficando meio esquecido e acabou protagonizando uma das boas. Era um sábado de janeiro, muito sol, e o fusquinha começou a ratear, fazendo um barulho esquisito. Não tinha problema, Bill avisou que iria cedo dar uma olhada.
Ao abrir o motor, o mecânico notou que o barbeiro tinha se esquecido de colocar gasolina e que o carburador tinha emperrado, era preciso desmontar. Bill ficou das oito até quase meio-dia no carro. Pingava de suor.
Vendo tudo estavam o Neném Carpinteiro, o Canarinho do Mercado, o Dedé Retratista e o Zé Maria Sapateiro. Assim que acabou o serviço, Bill chegou com seu menino mais velho ao salão e falou com Zezico:
__Corta o cabelo dele pra mim, que agora mesmo eu pego o dinheiro pra pagar.
Zezico fechou a cara, cortou o cabelo do garoto e comentou com o pessoal:
__Aí, tão vendo. Tem jeito não, a gente trabalha numa dificuldade danada e ainda tem de cortar cabelo fiado.
Dedé chamou atenção:
__Que é isso, Zezico, o Bill trabalhou dado pra você a manhã inteira... você não deveria nem cobrar dele...
__Nossa Senhora, é mesmo. Eu tinha me esquecido, vou cobrar dele não.
Depois de uns dez minutos, Zezico olha para dentro do Bar do Zé Carioca e vê Bill tomando uma cervejinha. Ele não agüenta e comenta na rodinha:
__Alá, tão vendo? Dinheiro para pagar a gente não tem não, mas pra tomar cachaça tem.
Dedé falou de novo:
__Zezico, mas você não disse que do Bill não iria cobrar porque ele arrumou seu carro?
__É mesmo gente, eu me esqueci, não posso cobrar dele não.
Mais cinco minutos e Bill chega na barbearia, tira uma nota de cinco e paga o corte de cabelo. Zezico pega o dinheiro, põe no bolso, coloca a mão no ombro de Bill e comenta com o pessoal:
__Aí, gente. Cliente bão é diferente, falou que paga e paga mesmo.