Crônica: Dé jà- vu

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Crônica: Dé jà- vu
Robledo Carlos é representante comercial




O escritor J.J. Benitez em seu livro Cavalo de Troia, descreve uma viagem de volta ao tempo... mais precisamente no tempo de Jesus.
A minha viagem, se refere ao sentimento de um povo em busca de fé, esperança e progresso.
Faço uma analogia, respeitosamente, não em um Cavalo De Troia, mas de um coração saudosista, com a gratidão, honra e orgulho de ter tido a graça de nascer ao longo desse pequeno arraial, às margens Rio Formiga.
E tudo começa com uma simples foto amarelada entre minhas mãos...


Hoje é um dia feliz, em que me vejo  junto aos que  farão história nessa terra abençoada por Nosso Senhor Jesus Cristo, o ano é de 1872, inauguração do Altar-mor da Igreja de São Vicente Férrer.
É festivo, a comunidade esperou ansiosamente, para esse dia, houvera, leilões, doações e muito sacrifício para que pudessem fazer o altar em madeira nobre.
Coloquei meu paletó de linho e minha calça de cazimira, meu sapato, que outrora, era do finado tio meu.
Todos estão com os corações e os sentimentos aflorados, as meninas moças de cabelos com fitas, vestidos engomados e perfumes que inebria os olhos dos rapazes, com glostora nos cabelos e bigodes finos.
Os mais humildes e desprovidos de recursos, estão com suas melhores roupas, impecavelmente cuidadas e passadas com o ferro de brasa.
O sol reflete no Ipê, parece comungar com o sentimento do povo, quer o Ipê agradar assim que o Senhor passar sob sua sombra, a cobri-lo com flores amarelas.
As pessoas estão a desfilar; estão no pátio da  igreja do Rosário, atrás da igreja da Matriz, de onde sairá a procissão do São Vicente Férrer, padroeiro da cidade.
A comunidade espera e sonha com dias melhores e com o futuro que há de por vir.
Parece-me que  tem algumas centenas de pessoas.
Vejo Dona Clotilde, na janela de sua casa, de certo não acompanhará a procissão, pois ela é  acometida de uma erizipela no peito do pé, o que faz da  sua caminhada,seja dolorosa e sofrida.
Teremos ainda, leilão de um garrote (  doado pela comunidade de Timbore e Albertos) , uma gamela de jacarandá, ( bonita por sinal) feita  pelo Gregório do Nestor, cumpadre de meu pai,doces e quitandas, uma leitoa viva e uma assada, um casal de gansos, doados pelo Quinzinho da Glória,algumas galinhas, engraçado é que nesse instante que vos falo um galo índio e uma galinha  poedeira, fugiram do balaio em que estavam, agora entre o povo tentam fugir do  seu destino.
A minha direita, Filhas de Maria se possicionam entoando cânticos e se agrupam para a formação das colunas da procissão, onde aguardam o andor com o São Vicente Férrer, pois o mesmo estava guardado por ocasião da construção do altar-mor da igreja da Matriz, onde de certo modo poderia correr o risco de algum acidente com a imagem tão valorosa para todos.
Daqui a pouco, sob as badaladas do sino , o padre Remaclo avisará e pedirá a formação das colunas da procissão, pois o trajeto será curto, devido a proximidade da igreja do Rosário até a Matriz.
Ao meu lado, vejo encarcerados se aglomerarem a janelas da cadeia, alguns contritos cumprindo suas penas,cerceados da liberdade, imposta por leis não cumpridas de alguma forma por eles, dentre eles consigo ver Deolino mulato forte, dizem que matou um por causa de mulher, matou na faca.
A Banda Santa Cecília se prepara em acordes de metais, o intento é o cortejo honroso e pode-se notar  o orgulho dos músicos com seus quepes e instrumentos polidos e brilhantes de zelo, a tuba quem toca é  o Manoel, da Dona Sinhãna, esforçado que só.
A venda está fechada em respeito ao Santo, Sô Acácio é devoto fervoroso de São Vicente, até precisava de comprar um fumo, mas esqueci que estaria fechada a venda, agora é ficar sem pitar!
A preta Dasdor, leva o filho da patroa na cacunda, é o Zezinho que a chama até de mãe, ela já chama ele é de Cabelo Loiro, tambem junto com Dasdor, está Lucinha que  acena para o Agenor, que é colega dela no Grupo Escolar Rodolfo Almeida.
Eu estou aqui a apreciar o movimento, debaixo do velho cruzeiro, bem na porta da igreja do Rosário.
Consigo daqui ver o Sô Antônio e o João, debaixo do pé de Ipê, minha mãe sempre me  falou que eu tenho as vista boa.
Eles estão quase a transpor um passeio de pedras grandes, feito pelo Seu Jurandir, ali tava formando uma buraqueira  só, foi preciso cortar a correnteza da chuva para os carros de bois não cairem na vala que ali se formava.
Ôpa, o sino tocou, melhor eu me ajeitar para a fila.
Cumprimento Rosinha, filha da  Lurdes e seu Dico, eita roxinha bonita, me posiciono despretensiosamente perto dela, vai que ela agrada da minha presença.
O estranho é que parece que já estive aqui  em outros momentos.
Aqui me sinto imensamente feliz!
Viva São Vicente Férrer !
Rosinha sorri para mim.