Crônica: Eu, pai de meu pai
Robledo Carlos (de Divinópolis)

Quero lembrar o pentear dos seus cabelos lisos, limpos e cheirosos.
Queria estreitar minha intimidade com meu pai, quando fui pai de meu pai.
Seu riso de canto de boca e olhar sereno!
Quero fazer a sua barba com a maestria de um barbeiro a estapear com fidalguia suas bochechas, com a mais fina loção de barbear.
Um dedo de boa prosa.
Ao abrir a velha caixa de seu acordeom com cheiro de ternura, em destaque seu Todeschini preto de teclas marfim e preto, envolto de veludo vermelho.
Peço um Do maior para que possa afinar a viola em sons de terra molhada, de ipês e carro de boi.
Hoje ela está muda, empoeirada e triste, já não canta mais.
Quem sabe um dia?!
Volta.
Tenho uma camisa azul claro sua para a minha lembrança em cores e cheiros, ele era um homem belo, esbelto e forte.
Gosto de pensar em você, pai.
Relembrar assobios despretenciosos de Saudade de Matão ou La Cumparsita.
Cantei ao pé do seu ouvido, disse que tomaríamos um trago assim que tudo passasse.
E meio que em manhãs de sol em dias de frio fazendo palavras cruzadas depois de ter rezado o seu terço.
O que ele pedia talvez eu nunca saiba, se eram agradecimentos, pedidos ou só mesmo adoração e contemplação.
Lembranças de ritos seus, ao saborear seu queijo, suas cervejas às quartas e sua enorme sensatez.
Da enferrujada caixa de ferramentas, das primeiras voltas em que dirigi seu carro.
Alguns hábitos seus eu tenho, eu quis assim, como espelho, carrego comigo como amuleto de sorte, assim eu o tenho sempre comigo, numa medalha de bolso ou num pente em minha necessaire.
Quando a muito tempo, eu o ouvia ao longe de casa, se aproximando com seu caminhão, um misto de alegria, cheiro de óleo diesel e suor, cansado de mais um dia de trabalho árduo!
Será que eras verdadeiramente feliz como dizia que era ou era para nos nortear na fé e na perseverança?
Um chinelo, cheiro de lavanda, cabelos impecavelmente penteados e barba feita.
Nos dias próximos à sua finitude, passei com ele, ele já não tinha tanta lucidez de outrora, foi tudo meio que de repente. Quis Deus assim.
Do nada ele falava alto, às vezes na madrugada: -"obrigado meu Pai"!
Eu não sabia o que ele pensava, ele está sofrendo e ainda agradece, o que tinha ele no coração, quanta gratidão e tanto amor!
Repito sempre essa frase sua, é mesmo que um mantra em adoração e um lembrete eterno que tenho para que eu nunca possa esquecer, de quem vim e para onde irei.
Feliz Dia dos Pais, papai!
Até mais ver!