Cronica: Mãe Lolota

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Cronica: Mãe Lolota
Manoel Gandra é poeta e jornalista




A cidade estava na expectativa do grande clássico Formiga x Vila. Faltava uma semana, e os ingressos já estavam todos vendidos. A polícia já tinha mandado vir reforço, porque a coisa ia ser animada.

Era final de campeonato, o Vila tinha perdido a primeira, e era preciso reverter a diferença. Para não correr riscos, Zé Cunheca, Marão e Brasinha, três importantes diretores vilenses, resolveram apelar para o sobrenatural e marcaram uma consulta com Mãe Lolota, uma crioula sacudida que atendia em um terreiro no Bairro Nossa Senhora de Lourdes.

Mãe Lolota apareceu em Formiga e logo ganhou fama como uma senhora muito poderosa. Só andava de branco e não tirava uma peruca de cabelo esticado, que era presa com enormes grampos enferrujados. Não cobrava dinheiro, mas um agrado era sempre bem-vindo.

Zé Cunheca, Marão e Brasinha fizeram uma vaquinha, foram ao Supermercado Peg-Lev e montaram uma cesta básica para agradar a mãe-de-santo. Tinha queijo minas, doce de leite, conhaque Presidente e dois pacotes de Hollywood de filtro amarelo.

As Ave-Marias denunciavam a “boquinha da noite”. Os três chegaram ao terreiro, entraram por um corredorzinho, e Mãe Lolota já esperava. Entregaram os agrados e foram logo recebendo benzeção. Zé Cunheca foi forçado a fazer uma dança com um só pé e foi amarrado com uma embira no meio do salão. Mãe Lolota, já possuída, deu um puxão numa das pontas, e Zé Cunheca rodou e caiu.

__Cê já tá desamarrado, disse uma voz rouca, que soltou logo uma risada.

A mãe de santo foi pro lado de Marão, pegou-o pelo braço e o colocou em um canto virado pra parede. Pegou Brasinha e colocou em outro. Com uns galhos de arruda e fazendo umas rezas, começou a bater nos dois. Era “lap!” pra cá, era “lap!” pra lá. O pau moendo, e nada de Mãe Lolota resolver.

Depois de umas boas lambadas, veio a descoberta: eles estavam muito “carregados”. Era preciso um banho de descarrego, e tinha de ser coisa forte, de cachoeira, de madrugada, depois da meia-noite.

Fazer o quê?, toparam o sacrifício. Só que tinha um probleminha: era junho e estava fazendo um frio de trincar bico de galo. Mas “com o Vila, tudo pelo Vila”.

Combinaram de se encontrar no portão de cima do Parque de Exposições. Zé Cunheca é quem ia dirigindo. Marão foi de toalha e cachecol, Brasinha de roupão, meias de lã e um ryder novinho. Ao longe, quando ouviram o relógio da Igreja Matriz bater uma hora, chegaram à Cachoeirinha, aquela que fica na Lajinha, perto da antiga Cerâmica do Zé Maria do Bento.

Obedecendo aos conselhos de Mãe Lolota, passaram duas vezes debaixo de um canudo d’água gelada. Voltaram batendo queixo e com a boca roxa. No dia seguinte, não deu outra, os dois internados na Santa Casa, pneumonia das mais violentas. Placar do jogo: Formiga 3 x 1 Vila.

Assim que deram uma melhorada, Brasinha e Marão foram tirar satisfação com Mãe Lolota, mas ela já tinha se mudado da cidade.