Crônica: O capeta manco
Manoel Gandra (de Formiga/MG)

O meio rural formiguense sempre foi repleto de histórias que muito bem retratam o folclore, a tradição, os costumes e as superstições do povo.
A região do distrito de Albertos é uma das mais ricas tanto em artesanato (de lá vêm os principais escultores em madeira, em trabalho com couro e as mais competentes tecedeiras) quanto em riqueza desses tipos de causos. Os antigos contam que, por volta dos anos 30, ganhou fama na comunidade a lenda de um personagem do sobrenatural que aterrorizava as noites das crianças: o capeta manco.
Ele morava em uma moita de bambu que existia ao lado de uma porteira velha, em uma pequena trilha que ia de Albertos à comunidade de São Pedro.
Quando era noite de chuva, de longe eram ouvidos os passos do tal capeta. Ninguém se atrevia a sair quando era lua cheia nem quando as copas das árvores começavam a balançar. Andando pelos caminhos, o capeta arrastava a perna doente, “sshiiii”, e batia a perna boa, “toc”.
As noites não passavam e as crianças morriam de medo pensando nos pecados que cometeram durante o dia. A cada passo, parecia que o capeta manco estava mais próximo: “sshiiii”, “toc”... “sshiiii”, “toc”... “sshiiii”, “toc”.
Um dia, chegou a Albertos um padre bem moderno, o primeiro que não usava batina, que o bispo havia mandado para desvendar o caso. Falou com muita gente e ficou revoltado com a superstição que já estava arraigada.
Ele reclamava nas missas, falava de casa em casa que não existia o bichão, mas não adiantava, o medo do capeta falava mais alto.
Em uma noite de setembro, ventava forte e parecia que vinha um pé d’água. Depois da Ave Maria, o padre se deitou e quando já começava a pestanejar, ele ouviu um barulho esquisito que vinha de uma capoeira: “sshiiii”, “toc”... “sshiiii”, “toc”... “sshiiii”, “toc”...
__É o capeta!
O padre não poderia perder o momento, bateu de casa em casa e chamou os fiéis para ajudar a procurar de onde vinha o barulho. “Não se preocupem, eu vou na frente”.
Por via das dúvidas, o sacerdote passou a mão em dois crucifixos e em três litros de água benta e seguiu pasto a fora. Os dois voluntários que toparam o desafio seguiam à distância com lamparinas a querosene.
Cabreiros e ressabiados, eles andaram por meia hora e chegaram até uma porteira ao lado da moita de bambu. Lá, eles viram que a porteira, de tão velha, ficou torta. Então, quando a ventania a abria, ela rangia na junta, “sshiiii”, ela voltava e como um monjolo batia no mourão que servia de estaca: “toc”.
Quando ventava muito, a seqüência do barulho dava a impressão de que era mesmo o capeta manco que andava pela região.