Crônica: O engraxate

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: O engraxate
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Antes que os tênis e os quédis tomassem conta do mercado, a Praça Getúlio Vargas era repleta de engraxates. Como todo mundo só usava sapatos, muito menino fazia freguesia e garantia assim o uniforme escolar e uma ajuda pra família.

Lá pelos anos 70, cada banco da pracinha tinha um engraxate tomando conta. O sujeito sentava e logo vinha o garoto:

__Vamos engraxar?!!!

Naquela época, havia uma pessoa em Formiga que era das mais queridas: o Ramirão, o Ramiro Corrêa (aquele mesmo que deu nome à rua do Polivalente). Ele era muito engraçado e divertido. Onde chegava, virava festa (tem gente que acha que a rua que levou o seu nome é muito pequena e não representa nem de perto o tamanho da sua simpatia). 

Certa vez, Ramirão viu que um pequeno garoto, que era conhecido como Sapinho, ficava da porta do Tropical olhando os meninos engraxando e morrendo de vontade.

__Ô Sapinho, por que é que você não vai engraxar?

__Uai, Seu Ramiro, eu não tenho as coisas não. Fica caro.

Sensibilizado, o bondoso Ramirão começou a pedir a amigos uma ajudinha pro Sapinho. Pediu ao Fernando do Manoelito que fizesse uma caixa de engraxate na oficina de sua funerária. Foi ao Pascoal da Farmácia e fez ele doar uma lata de graxa marrom. O Licurgo Viana deu a graxa preta e o Paim do bar comprou as escovas. A flanela quem deu foi o Luiz da Fidalga. Depois de uma semana de campanha, Sapinho já estava engraxando.

Tudo bem, tudo certo. Até que um dia o Fernando do Manoelito comentou com o Paim:

__Uai, e o Ramirão? O que será que ele deu pro Sapinho?

__Uai, é mesmo. Vamos perguntar pra ele.

Chegaram perto do garoto e puxaram conversa:

__E aí Sapinho, engraxando muito?

__Tá cada dia melhor. Brigado pela ajuda.

__Pode esquecer. A gente fez de coração. Agora, conte pra nós, o que foi que o Ramirão deu pra você.

__Não deu nada não, mas ele é tão bão que deixou eu aprender no sapato dele. Todo dia cedo, eu vou engraxar o dele pra treinar. Tô ficando craque.