Crônica: O padre e o Frade

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: O padre e o Frade
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Lulu Frade foi uma pessoa única em Formiga. Ex-treinador do FEC (Formiga Esporte Clube), ele ganhou fama regional pela sua competência ao escalar e organizar taticamente equipes que ficaram para a história do futebol da Cidade das Areias Brancas.

Paralelamente ao esporte, Lulu mantinha um carro de praça (táxi), de onde tirava o sustento da família. Muito gozador, gostava de pôr apelido em todo mundo e não deixava de brincar nem com os fatos que aconteciam com ele mesmo.

Dizia o chofer que, certa vez, recebeu um telefonema da Paróquia São Vicente Férrer para deixar o carro pronto e bem limpinho, porque chegaria de Aparecida do Norte um importante sacerdote que iria divulgar a revista “Ave Maria” na região.

Era uma segunda-feira e lá estava Lulu na porta da Casa Paroquial esperando o religioso. Já passavam das dez horas, quando sai o padre com uma batina azul clara e uma pasta preta. Lulu, que já estava pronto desde as seis da manhã, não ligou, afinal, na hora de acertar a corrida, ele apresentaria a conta.

Andaram por todo o dia. Foram a Albertos, Baiões, Córrego Fundo e passaram por algumas residências de Pontevila. Bom de argumentação, o tal padre fez sucesso e seu bloquinho de assinaturas foi esgotando. Já eram quase sete da noite, quando Lulu deixou o sacerdote de volta à Casa Paroquial.

__São 22 contos (uma fortuna para a época), disse Lulu.

__Pelo amor de Deus. É Caríssimo. Além do mais, o carro tá cheio de buracos e sujou minha batina novinha.

__Não quero nem saber. O meu carro estava lavadinho e agora é só poeira...

Como viu que teria dificuldades de conseguir abatimento, o religioso apelou para Deus:

__Mas como pode o senhor cobrar tanto de um padre? Olhe bem, eu sou um padre. E seria uma bênção divina dar desconto a um padre.

__Mas não é bênção divina nenhuma um padre pedir desconto a um frade. Se o senhor não sabe, eu sou um frade.

Sem graça, o padre retirou os 22 contos da pasta e pagou ao motorista.

__Por que o senhor não disse antes que era frade? Qual é a sua congregação?

__Que congregação? Eu sou um Frade é da família dos Frade daqui da cidade. Eu sou o Lulu Frade, o treinador do Formigão.

Conforme se divertia o motorista, o padre fechou a cara e entrou na Casa Paroquial. No outro dia, procurou outro carro de praça para continuar vendendo as assinaturas da “Ave Maria”.