Crônica: Sai, demonho!
Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Antônio Rodrigues Chaves é o nome dele, mas todo mundo o conhece como Tonho Papão. Sujeito da pesada, é muito divertido e gozador. De vez em quando, aparece alguma dele.
Tonho é representante comercial e responsável pela distribuição de grande parte da cerveja consumida em Formiga.
Teve um dia em que Tonho recebeu o comunicado de que um estabelecimento comercial da Água Vermelha, parece que uma venda bem sortida, não iria mais comprar-lhe a “loucura gelada”. É que o local havia sido vendido para um tal de Seu Gumercindo, um crente radical da Assembléia de Deus que veio da vizinha cidade de Arcos. Muito religioso, o sujeito não podia nem ouvir falar em bebidas alcoólicas. Para ele, a perdição estava na saia curta e cachaça: “São essas coisas que facilitam a tentação do encardido”.
Para não perder o cliente – o estabelecimento era muito movimentado –, Tonho pensou em uma maneira de ganhar a simpatia do novo proprietário. Vestiu um velho terno azul muito apertado, abotoou a camisa no colarinho e foi fazer-lhe uma visita. Com uma pastinha preta debaixo do braço, chegou dizendo “o Senhor seja louvado!” e foi dando um jeito de tentar passar a lábia, mas Seu Gumercindo não queria nem ouvir.
Quando já estava pra desistir, Tonho viu uma mulher com a cabeça entre os joelhos sentada em pequeno sofá atrás de uma cortina. Ela se contorcia e gemia como se estivesse sofrendo.
Para ganhar confiança, Tonho colocou a pastinha junto ao peito, levantou a mão direita e começou a falar em voz imponente e autoritária:
__Sai, DEMONHO! Sai, DEMONHO, que esse corpo não lhe pertence! Sai, DEMONHO!
Do fundo da venda, o comerciante voou em Tonho e o mandou embora. Sua mulher tinha comido um caldo de feijão estragado e estava com dor de barriga. Não tinha nada de DEMONHO.