Cronicando: Essa uva, passa em mim
Robledo Carlos (de Divinópolis)

Eu sempre às sombras de uma parreira ou de um pé de limão.
Quando findava o outono (não gosto muito dessa bucólica mudança de estação).
Eu trazia ânsias e expectativas de criança guardiã da chama que transcenderia para o resto dos dias meus.
Apesar da criança, existia meu velho eu, saudoso e só.
É chegada a hora.
Era a poda de nossa parreira! Em um risco ao lado da passagem da garagem para a copa, feito de mosaicos de ladrilhos crus, unidos fortemente em abraços simétricos assim como nós, ali ela recebia o sol e o carinho de toda a minha família, levando o frescor para o resto da casa.
Havia duas cadeiras de ferro com cordas de plástico trançadas com um fio dourado entre elas, repousavam toscanamente em sombras.
Ela realmente era linda linda!
Alguns dias depois da poda, saíam os primeiros brotos verdes claros, com pequenas folhas aveludadas e pequenos pêndulos em busca de apoio e suporte.
Já no final de outubro, os primeiros cachinhos iam surgindo, iguais a pequenos novelinhos de lã bordados, talvez, por Maria.
Decerto iam crescendo sob o olhar atento de todos os guardiões, respeitosamente infantis, noutros larápios.
Nossa vida passava debaixo de sua sombra, ela participava de nossas gritarias e alegrias, como um cacho unindo-nos sob ela.
Nessa paragem, era aquele misto tenso de final de ano, se ia ou não passar de ano, ou recuperação, no meu caso. Chegando novembro, já montada a árvore de Natal em uma lata de tinta envolta em papel de presente, com um galho de jabuticabeira pintado de prata e com bolinhas de isopor jogadas sobre ela, com pequenas bolas coloridas de vidro, as maiores iam se quebrando de outros natais... frágeis como a vida.
Bom sentir isso, essa saudade, esse pensamento que não me larga (e eu nem quero!). Eu quero muito é vivê-lo intensamente até a minha última poda, assim como quando finda o outono e a primavera antecipa os dias meus vividos.
Próximo ao Natal, é chegada a hora da colheita certa e festiva de tão pouco e tão grande momento esperado por toda a família!
A gaveta de baixo da geladeira já preparada, estava pronta para receber volumosa colheita amada e esperada.
Natais de espera, zelo e amor.
Assim foi por anos e anos, repetidamente felizes.
Sem saudade eu nem sei se vivo! Gosto desse passado em mim, a saudade me conecta ao amor que tenho pelo presente da vida.
Eu ainda a ouço em festiva dança do vento, em outras, pelas gotas da chuva em suas folhas.
Agora já não há a parreira, plantei uma para fazer a passagem dessa uva passa que sou.
Ficaram os mosaicos no chão e o cheiro de uvas em mim.
Essas uvas, passam em mim.