Cronicando: FEDEGOSO

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Cronicando: FEDEGOSO
Robledo Carlos é membro da Academia Formiguense de Letras




Lembro-me de suas mãos pretas, brancas e pálidas em seu peito, você ia rir disso.

O tempo passou e nem disse a palavra que queria dizer ao te ver assim.

Quando me pergunto a Deus: 

- Meu Deus, se podes me ouvir, responda a esse agora velho, que não consegue esquecer, o por quê desse que foi um espelho, meu amigo preto, negro, sei lá, crioulo que partiu tão cedo, meu Pai!

Meu coração chora, minha boca amarga em lembranças não justas.

Te pergunto, por que?

Se chamava Vicente de Paula Silva, mas o tratávamos de Fedegoso.

Gostava de falar que a mãe era macumbeira, meu Deus, esse era o cara! Falava com o peito cheio em um mundo preconceituoso.

Ele era sarará, bom de briga, defensor, meigo, meio triste e outras coisas que não consegui identificar em seu coEra criado por dona Sônia Freitas, vizinha de frente em minha rua, a Enaura Barreiros.

Eu verdadeiramente me engasgo de falar desse meu irmão Fedegoso.

Quando minha mãe faleceu, o mundo nunca mais foi o mesmo para mim. Dias depois, ele aproximou-se de mim e consolou-me com suas palavras, aos dezessete anos. Ele já havia se tornado alcoólatra e em uma forma de doação, deu-me o que tinha de melhor.

Ele vinha de um lar que, talvez, não pudesse criá-lo por inúmeros motivos. Mas nesse momento meu de dor, ele me disse que sua mãe em um movimento involuntário ao limpar um frango, recebendo um abraço do pai por trás, se assustou e no ímpeto do susto, esfaqueou o pai. Ambos eram alcoólatras. Qual era a sua dor, meu amigo querido, ao tentar expô-la junto à minha? Jamais esquecerei o que o coração dele me disse, apesar da dor que ele sentia no fato da própria família. Estranho duas crianças se consolando nessa dor.

Como se tivéssemos marcando um ao outro com o ferro quente do sofrimento.

Poderíamos rir e abraçar agora, você negão de cabelos brancos, e eu a te admirar com seu neto em meu colo.

Passaram-se os dias, os tempos, ele mais alcoolizado e extremante feliz, essa é a leitura que faço com meus quinze anos de seus últimos dias.

Perdoem-me, mas nos meus dias de vida, torno imortais os que amei, obviamente, só enquanto viver.

Gosto de lembrar dele passando nas madrugadas a cantar:

- Moro na Rua da Amargura, 25, apartamento 37, quinto andar.

Lá em cima, cantaremos a moda com nossas mães.