Cronicando: Fragrâncias

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Cronicando: Fragrâncias
Robledo Carlos é representante comercial




É quando o sol invade o meu silêncio, obsceno de buscas invisíveis que, notadamente em tela imaginária, me vêm tais lembranças em soleiras e portais.

Procuro, às vezes, entender o motivo que me faz assim, um saudosista inveterado, ranzinza e só.

Minha contemplação ao sentimento, quase sempre é provocado por cheiros, imagens simplistas ou, até mesmo, o silêncio.

Uma pequena caixa de aviamentos, alguns carretéis de linhas usadas, agulhas, colchetes, alfinetes e um dedal.

Sobre a mesa, exposto em uma cestinha, alguns pares de meias a serem cerzidas, geralmente no calcanhar, e um ovo, para o serviço se tornar quase uma perfeição.

Cheiro de fragrância de vó, sabonete delicado de lavanda, um velho óculos de grau e um olhar repleto de ternura e graça.

As mãos trabalham delicadamente sob o buraco da meia onde o ovo delimita o defeito para a cerzimento, nota-se mãos rudes, porém delicadas, com pequenas manchas no dorso, murchas até.

Concentrado mecanismo de serventia de uma vida inteira, agora aos outros, não somente a seus filhos. Queria eu estar agora para ao menos sonhar o que estavas a pensar, qual era a sua preocupação momentânea, ou se era somente o buraco da meia.

Interrompe minha lucidez um mosquito sobre a minha mão já também gasta pelo tempo.

Noutras, retorno em receber das mesmas mãos, uma caneca de leite quente, percebe-se o açúcar queimado esvoaçante entre assopros e minhas narinas, que envolto em minhas mãos, a vê retornando arrastando o chinelo com certo grau de dificuldade.

Amor servil, continuismo de essência maternal de carinho e zelo.

A vida não pode ser só aqui, seriam necessários alguns milênios para me acostumar sem ela, ou melhor, para que eu agora pudesse servi-la.

Uma velha gaveta com alguns sabonetes de presentes ganhados, umas cartas envoltas em fios de lã, algumas orações de santos devotos e um velho terço gasto, alguns grampos de cabelo, algumas fitas e uma escova.

Ainda a vejo admirar uma foto velha de meu avô, pacientemente fitando os seus olhos enamorados.

O que mais gosto em tudo isso, é que o sol sempre me invade em luz, pelo menos por enquanto, nesse meu refúgio de fragrâncias.