Esperteza deficiente

Imagine a cena: um jovem casal formiguense bem sucedido em seu carro novo comprado no inicinho do ano, um daqueles que anda no asfalto e em estradas de terra. Ele, um vitorioso empresário e produtor rural que herdou os negócios do pai, implementou modernidades tecnológicas e fez as empresas crescerem ainda mais. Ela, uma boa ex-aluna de uma conceituada escola particular que sonhava com o curso de belas artes da UFMG, mas que viu que quadros e esculturas são coisas sem valor, que o melhor mesmo é ser esposa de um empresário e produtor rural que herdou os negócios do pai, que implementou modernidades tecnológicas e que fez as empresas crescerem ainda mais. Com seu macacão branco e de marca, ela ostenta com muito orgulho o seu nariz mais novo do que o carro novo do marido, um nariz modelo Isis Valverde encomendado com muitas exigências e recomendações em um clínica de um ponto nobre na capital mineira.
No banco traseiro, duas crianças lindas de banhos tomados, bem vestidas e cheirosas para enfrentar a manhã de um sábado de sol claro em Formiga. Horário: 9h30.
O casal entra em um estacionamento de um grande supermercado. Ele querendo ver se alguém estava reparando em seu carro novo que anda no asfalto e em estradas de terra, ela, se alguém estaria notando o seu nariz novo mais novo do que o carro novo. No banco traseiro, as duas crianças lindas de banhos tomados, bem vestidas e cheirosas para enfrentar a manhã de um sábado de sol claro lá por volta das 9h30, se entretêm com os celulares mais novos que o nariz novo da mãe que é ainda mais novo do que o carro novo do pai.
O supermercado está cheio, vagas apenas ao ar livre, só que não dá para deixar o carro novo comprado no inicinho do ano que anda em asfalto e estradas rurais exposto ao sol de um sábado claro. O empresário procura uma vaga, rodeia mais de uma vez o quarteirão do supermercado. Demonstrando extrema inteligência e esperteza, ele não titubeia e ocupa a vaga destinada a pessoas com deficiência. A família desce e o jovem empresário com o sentimento de astúcia saindo pelos poros sorri vitorioso e dá um joinha para um outro jovem, um médico, também em um carro novinho, que vinha na sequência da fila. O médico também sorri e retribui o aceno lamentando não ter chegado um pouquinho antes para ocupar a vaga para deficientes que estava dando sopa.
Ps.: O editorial de hoje retrata o narrado por um funcionário de um grande supermercado formiguense.