Opinião: Morte em acidente e perda do direito ao prêmio do seguro de vida
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Quando chego ao escritório, encontro-a à minha espera. Não a conheço. Pede para falar comigo, desculpando-se por não ter ligado antes. Como não há urgências e pendências a resolver, iniciamos nossa conversa.
Conta que o marido faleceu em um acidente de trânsito cerca de três meses antes. Ela procurou a corretora de seguros na qual o marido havia feito um seguro de vida, e avisou sobre o ocorrido, requerendo a indenização. Preencheu o formulário de aviso do sinistro, informando o motivo do requerimento dessa indenização. Depois, enviou, junto com esse formulário, dentro do prazo estabelecido, todos os documentos pedidos pela corretora, como certidão de óbito acompanhada do laudo da autópsia, CPF, carteira de identidade e comprovante de residência dela, que é a beneficiária do seguro, entre outros que lhe foram solicitados.
Tudo feito como pedido, foi surpreendida com a resposta da seguradora de que ela não receberá o prêmio do seguro de vida porque seu marido foi quem provocou o acidente devido ao fato de estar embriagado. Quer saber se isso está correto.
Pergunto-lhe como foi o acidente. Ela me relata que o marido vinha de uma cidade vizinha, logo depois de um encontro com os colegas da sua turma de formatura. Todos os anos, depois de formados, eles se reuniam. Ele bateu seu carro violentamente na traseira de uma carreta, ficando o veículo preso a ela. O automóvel foi arrastado por alguns metros antes que o motorista da carreta se desse conta do ocorrido. Foi morte instantânea. A autópsia revelou, por meio de exame toxicológico, que o marido estava embriagado. Havia uma concentração superior a 0,97 gramas de álcool por litro de sangue. Penso: “Totalmente embriagado, considerando que o limite determinado por lei são 12 decigramas de álcool por litro de sangue. ”
Peço que me passe a apólice do seguro para que eu possa conhecer e analisar as cláusulas. Assim, poderei dar-lhe uma resposta segura e detalhada. Deixo claro que não poderei fazer a análise no momento, por isso fica combinado que ela voltará no dia seguinte para conversarmos.
Porém, já lhe adianto alguns aspectos: apenas a comprovação de que o marido estava embriagado não elimina o direito à indenização. De acordo com a Súmula 620 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a embriaguez do segurado não tira a obrigação da seguradora de pagar a indenização prevista em contrato de seguro de vida. Ela não se pode negar à indenização alegando só esse motivo de embriaguez.
Conforme a situação, outras causas podem ter contribuído para o acidente; por exemplo, o carro dele ter sido atingido por um outro, o que poderia levar à perda do controle da direção. É preciso ficar comprovada a relação de causa e efeito entre o consumo de álcool e o sinistro, e que nenhum outro fator foi causa do acidente.
Se não houver nenhuma prova da existência desse outro fator, o prêmio lhe poderá ser negado mesmo. É que, ao se embriagar antes de dirigir, o marido dela aumentou o risco de sofrer um acidente, isto é, ampliou indevidamente o risco coberto pela seguradora, o que se configura como uma violação do contrato e leva à perda do direito do beneficiário do seguro de vida de receber a indenização. Esse é o tipo de decisão que os Tribunais têm tomado em casos como o que ela me apresentou.
Isso significa que, se ficar mesmo constatado que a embriaguez foi a causa determinante do acidente, será nisso que se fundamentará a decisão de lhe negar o prêmio. O marido, ao ingerir bebida alcoólica fora dos limites permitidos em lei, antes de dirigir, agravou o risco de provocar ou sofrer um acidente. Por causa disso, ela, viúva, perderá o direito à indenização do seguro.
Percebo que ela vai embora desalentada, já prevendo que a análise que farei das cláusulas da apólice de seguro não alterará o quadro já posto pela seguradora. Tantas vezes alertara o marido para não dirigir após ingerir bebida alcoólica! A resposta que ouvia era sempre “Bobagem sua; dirijo muito bem. O álcool não me afeta. ” Tantas vezes discutiram por causa disso! Agora, ali estava ela, viúva, com dois filhos pequenos para criar.