MPMG comemora 20 anos de atuação especializada na área de Defesa do Patrimônio Cultural

Em agosto de 2003, a criação do Grupo Especial de Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural das Cidades Históricas deu início a uma jornada exitosa, que fez da instituição uma referência na área
Há vinte anos, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) inaugurava a atuação especializada na Defesa do Patrimônio Cultural. A criação do Grupo Especial de Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural das Cidades Históricas foi o início de uma jornada exitosa, que fez da instituição uma referência na área.
Não era para menos. Minas Gerais é o estado brasileiro com o maior número de bens culturais protegidos. De seus sítios históricos, quatro são declarados pela Unesco como patrimônio da humanidade: cidade de Ouro Preto, Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, centro histórico de Diamantina e conjunto moderno da Pampulha, em Belo Horizonte.
Dois anos depois, em 2005, foi criada a Coordenadoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), que, três anos mais tarde, passou a contar com sede e equipe técnica próprias. Desde então, foram desenvolvidas novas estratégias e ferramentas que aprimoram cada vez mais a defesa do patrimônio cultural, material e imaterial, arqueológico, paleontológico, espeleológico e paisagístico do estado.
Atuação especializada na Defesa do Patrimônio Cultural
O patrimônio cultural guarda tradições, reflete identidades e conserva a memória de um povo. Por sua importância, a Constituição Federal prevê que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, constituído por bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
O Ministério Público, como guardião da ordem jurídica e dos interesses sociais, tem entre suas atribuições a proteção de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A criação de uma coordenadoria especializada, teve como objetivo prestar suporte técnico e jurídico às Promotorias de Justiça de todo o estado, bem como fomentar e articular com outras instituições ações uniformes na defesa do patrimônio cultural do estado.
"Minas Gerais possui um patrimônio cultural riquíssimo e bastante diversificado, que sintetiza muito bem a história nacional e traduz a essência do povo brasileiro. A relevância cultural do nosso estado, além de ser motivo de muito orgulho, sempre nos trouxe grandes responsabilidades na preservação e valorização da identidade e memória. Por isso, desde 2003, o MPMG se tornou protagonista na defesa do patrimônio cultural, com a criação do primeiro núcleo de promotores de Justiça especializados na temática", destaca o coordenador estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, promotor de Justiça Marcelo Azevedo Maffra.
Marcos Paulo de Souza Miranda fez parte do Grupo Especial de Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural das Cidades Históricas. Segundo ele, o grupo, criado pela Resolução PGJ nº 52/2003, foi a primeira estrutura do MPMG voltada para o combate ao comércio ilícito de bens culturais e resgate do nosso patrimônio cultural. "Na época, Minas estava tendo o seu patrimônio cultural sacro saqueado pelos por quadrilhas especializadas, sobretudo de São Paulo. Precisávamos enfrentar o problema de maneira mais especializada", lembra.
Marcos Paulo, que também foi o primeiro coordenador da CPPC, entre 2005 e 2016, conta que no início apenas 30 comarcas eram abrangidas e que o trabalho foi bastante difícil em razão da abordagem de um tema que ainda não havia sido enfrentado de maneira sistemática pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. "As primeiras grandes apreensões que fizemos foi em São Paulo, antigo nicho de receptação do patrimônio cultural de Minas Gerais. A partir de então os furtos de igrejas mineiras caíram drasticamente e os antiquários e colecionadores começaram a adotar mais cuidados em relação à aquisição das peças. Ao fazer esse balanço, minha convicção sobre a necessidade de uma atuação integrada e participativa na defesa do patrimônio cultural do estado mais se fortalece. Valeu a pena lutar por isso", conclui.
A Coordenadoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais foi criada em 2005, na primeira gestão do atual procurador-geral de Justiça, Jarbas Sores Júnior, que conta que o órgão surgiu da necessidade de proteger o rico patrimônio cultural mineiro, e que a sua criação contou com o apoio do Ministério do Turismo, por meio de convênio assinado pela então ministro Walfrido dos Mares Guia. "A criação da CPPC possibilitou o aprimoramento de ações integradas entre o Ministério Público, os órgãos federais, estaduais e municipais de proteção do patrimônio cultural e a comunidade, elevando as políticas de defesa desse patrimônio. Hoje, a Coordenadoria é uma referência de atuação na área", afirma o procurador-geral de Justiça.
Os resultados alcançados foram reconhecidos com premiações de âmbito nacional. Em 2009, o projeto "Recuperação de peças sacras desaparecidas" venceu o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, na categoria Preservação de Bens Móveis e Imóveis. O prêmio é promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1987, como mecanismo de fomento às ações de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro. O projeto "Combate ao comércio ilícito de bens culturais" foi o vencedor, em 2014, do Prêmio CNMP, na categoria Unidade e Eficiência da Atuação Institucional e Operacional. O prêmio foi instituído pelo Conselho Nacional do Ministério Público como forma de dar visibilidade a programas e projetos que traduzem a missão, a visão e os objetivos estratégicos de todo o Ministério Público brasileiro.
Em setembro de 2015, em comemoração aos dez anos da CPPC, o MPMG promoveu o simpósio "A preservação do patrimônio cultural em Minas Gerais pelo Ministério Público: dez anos de uma experiência". No evento foram discutidos diversos temas relacionados à preservação do patrimônio histórico, espeleológico, arqueológico, entre outros. Também foi feita uma homenagem a colaboradores que contribuíram para a preservação do patrimônio cultural de Minas Gerais.
Além do coordenador, promotor de Justiça Marcelo Maffra, atualmente, a CPPC conta com dez servidoras: as historiadoras Paula Carolina Miranda Novais e Neise Mendes Duarte, a arquiteta Andrea Lanna Mendes Novais, as analistas em Direito Rita Nitzsche e Shirley Reis Lopes, a analista em web designer Ivana Elza de Battisti Rocha, a analista em biblioteconomia Celma Regina Pereira Santos e três oficialas, Laura Dias Rodrigues de Paulo (assessora), Flávia Neves Brígido e Aline Trindade de Freitas Campos. Toda a equipe atua na sede própria da Coordenadoria.
Maffra explica que, "nos últimos 20 anos, foram abertas diversas frentes de trabalho, nas mais variadas temáticas, com destaque para o resgate de bens culturais desaparecidos, restauração de imóveis tombados, preservação de sítios arqueológicos, proteção de práticas imateriais e fortalecimento das políticas públicas. Atualmente, temos investido em tecnologias de ponta para aumentar a participação social no processo permanente de vigilância do patrimônio cultural e garantir maior efetividade do trabalho do Ministério Público".
Recuperação e devolução de bens móveis
Nos vinte anos de atuação especializada, o MPMG já recuperou cerca de 700 bens móveis, especialmente peças sacras, e mais de mil documentos de valor histórico. As peças são resgatadas de antiquários, colecionadores, feiras e, atualmente, de sites onde são comercializadas. Depois de passar por perícia técnica, as peças identificadas retornam aos locais de origem. As demais, ficam sob a guarda de instituições como o Museu Mineiro e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG).
Em 2014, nas comemorações do Ano do Barroco Mineiro e do Bicentenário de Morte de Aleijadinho, a exposição "Patrimônio recuperado" apresentou ao público, no Museu Mineiro, cerca de 150 peças sacras recuperadas, que ainda não haviam tido o seu lugar de origem identificado. A exposição foi realizada pelo MPMG, Governo de Minas e Iepha/MG.
De acordo com a Coordenadoria, ainda existem no estado aproximadamente 500 peças resgatadas à espera da identificação de seu local de origem. Além disso, há estimativas que apontam que Minas Gerais já tenha perdido 60% dos seus bens sacros em razão de furtos, roubos e apropriações indevidas. Por isso, a participação da comunidade é muito importante na salvaguarda deste patrimônio.
Alvo de um furto em 1994, no qual foram subtraídas 28 peças sacras, o Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha, viu, em 2021, o retorno da imagem de Nossa Senhora da Apresentação. A população participou da cerimônia de entrega, realizada na Catedral de Santo Antônio. Outras três peças já haviam sido recuperadas: imagem de Santa Cecília, em setembro de 1998; imagem de Santa Bárbara, em agosto de 2003; e imagem de São Vicente Férrer, em maio de 2004.
São muitos os exemplos de peças que retornaram à fruição coletiva. Em 2022, uma peça do século XVIII, atribuída a Aleijadinho, foi entregue ao Museu da Inconfidência, que terá a guarda provisória até que o local de origem, o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Fazenda Jaguara, em Matozinhos, tenha condições estruturais de recebê-la. A peça estava na posse de uma colecionadora, que fez um acordo e devolveu o bem espontaneamente.
Alguns itens, resgatados por meio da atuação do MPMG, são devolvidos, inclusive, a outros estados. Em 2008, por exemplo, durante a operação Pau-Oco, em Belo Horizonte, foram apreendidos dois tocheiros esculpidos em madeira com três anjos e suas respectivas bases, do início do século XVIII. Após a identificação do local de origem, as peças sacras foram devolvidas a uma igreja na Bahia.
Este ano, um documento público da época do Segundo Reinado, que estava sendo comercializado em um site, foi entregue ao Arquivo Público do Estado da Paraíba. Trata-se de um raro manuscrito em papel timbrado do antigo Ministério dos Negócios da Fazenda. No documento, de 20 de maio de 1883, destinado ao presidente da província da Paraíba, Conselheiro Lafayette informava a sua nomeação por D. Pedro II como ministro dos Negócios da Fazenda e presidente do Conselho de Ministros.
Tanto a devolução espontânea da peça atribuída a Aleijadinho quanto a localização do documento que estava sendo comercializado em um site de leilões são resultados do Sistema de Objetos Mineiros Desaparecidos e Recuperados (Somdar), plataforma lançada em 2021 pelo MPMG, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trata-se de uma ferramenta colaborativa, que reúne todas as informações presentes nos bancos de dados sobre os bens culturais desaparecidos e resgatados em Minas Gerais. O principal objetivo é conferir ampla publicidade às informações e, consequentemente, trazer a população para participar ativamente da recuperação e identificação dos objetos. Atualmente, no Somdar, constam mais de 2.500 bens culturais materiais móveis mineiros cadastrados, os quais podem ser livremente consultados por qualquer pessoa.
Para acessar o Somdar, clique aqui.
A importância da comunidade na proteção de bens culturais também foi destaque na mostra "Elos do patrimônio - interlocuções entre o Ministério Público e a comunidade para a preservação do patrimônio cultural", que ficou em cartaz entre 2022 e 2023, no Memorial do MPMG.
Em maio deste ano, foi lançada a campanha "Boa fé", cujo objetivo é estimular a devolução voluntária de bens que integram o patrimônio cultural do estado. A iniciativa busca realizar ações de educação, conscientização e incentivo à restituição de bens culturais aos locais de origem. Qualquer pessoa, física ou jurídica, que detenha bens culturais de fruição coletiva, que, por qualquer motivo, tenham sido retirados do seu local de origem, pode participar.
Proteção do patrimônio edificado
Ao longo dos anos, muitas edificações mineiras foram restauradas a partir de iniciativas do MPMG. Dois exemplos são a Igreja Nossa Senhora da Conceição, localizada no distrito de Acuruí, em Itabirito, e o Conjunto da Estação Ferroviária de Miguel Burnier, no distrito de mesmo nome, pertencente à Ouro Preto.
Em ambos os casos, a restauração só foi possível com o envolvimento das comunidades, que participaram ativamente do processo. A restauração das Igrejas de Nossa Senhora da Conceição e de Nossa Senhora do Rosário de Acuruí e da Capela de São Gonçalo do Monte, em Itabirito, contou com a colaboração direta de membros da comunidade e alunos do Projeto de Qualificação Profissional, Educação Patrimonial e Restauração.
Outro exemplo foi a restauração da Igreja Matriz de Conceição do Mato Dentro que, interditada em 2005, foi reinaugurada em 2018, depois de passar por obras nas quais foram descobertas pinturas importantes no altar-mor.
Também pode-se destacar a restauração da Fazenda Paraopeba, localizada no município de Conselheiro Lafaiete. Por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o município e uma mineradora, o MPMG promoveu a restauração da fazenda do século XVIII, que pertenceu ao inconfidente Alvarenga Peixoto. Apesar de sua importância cultural, a fazenda estava em péssimo estado, e, por meio do acordo, o município executou a desapropriação do imóvel e a mineradora arcou com os custos tanto da desapropriação como da restauração do conjunto arquitetônico, a título de compensação ambiental.
Em julho deste ano, foi lançado o programa "Minas para sempre", que tem por objetivo promover a recuperação, restauração e conservação de bens valorados como integrantes do patrimônio cultural no estado de Minas Gerais, visando aprimorar ou restabelecer sua fruição coletiva e preservação para as atuais e futuras gerações. A primeira lista de projetos selecionados conta com onze iniciativas, totalizando, aproximadamente, R$ 17 milhões em investimentos provenientes de medidas compensatórias e mitigatórias acordadas entre o MPMG e entes privados.
Na cerimônia de lançamento do programa, o coordenador da CPPC, Marcelo Maffra, ressaltou que é o maior programa para revitalização do patrimônio cultural já realizado em Minas Gerais. "A identidade cultural é o que nos define, é o que nos faz ser o que somos e é o que nos diferencia dos demais. O programa mira na restauração de bens materiais e acerta na valorização do imaterial. Muito mais do que recuperar o suporte físico, ele vem para renovar as tradições, revigorar as práticas culturais e restabelecer os atributos que tornam os bens culturais singulares", pontuou.
Na primeira fase, foram contemplados projetos como a restauração da Igreja Matriz de Santo Amaro, do antigo prédio da Prefeitura de Grão Mogol, da capela de Bom Jesus da Lapa (Chapada do Norte), da Matriz Nossa Senhora dos Prazeres (Milho Verde), revitalização do Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora), entre outros.
Patrimônio arqueológico, espeleológico e paleontológico
O patrimônio espeleológico é constituído pelo conjunto de ocorrências geológicas que criam formações especiais e cavidades naturais no solo, como grutas, cavernas e lapas. A proteção destes locais é de fundamental importância sob o ponto de vista do patrimônio cultural, principalmente, pelo fato de que neles os arqueólogos e paleontólogos comumente encontram elementos informativos de grande relevância para melhor compreensão do passado da vida sobre a terra.
Não são raros os casos em que a destruição de sítios arqueológicos ocorre em decorrência de interesses econômicos e atividades turísticas que provocam, além de graves impactos ambientais, a perda irreparável de um patrimônio que abriga importantes vestígios da ocupação humana, comprometendo a história das comunidades locais. O aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação das jazidas arqueológicas ou pré-históricas, antes de serem devidamente pesquisados, são proibidos pela legislação. Portanto, a correta gestão do patrimônio arqueológico é fundamental para sua salvaguarda, devendo ser traçadas diretrizes que asseguram sua preservação e estabeleçam condições sustentáveis de acesso a ele.
Em vistoria realizada no Parque Estadual de Cerca Grande, situado no município de Matozinhos, foram constatados diversos danos e ameaças envolvendo os atributos naturais e culturais da unidade de conservação: pichações e vandalismos nos sítios arqueológicos e espeleológicos, fogueiras na base do paredão rochoso, além da presença de gado na área do parque. Diante disso, o MPMG atuou para que fossem adotadas medidas de proteção da unidade de conservação, que abriga sítios arqueológicos com mais de 10 mil anos.
Caso emblemático da atuação do MPMG em relação ao patrimônio paleontológico é a proteção de uma paleotoca localizada na Serra do Gandarela, no município de Caeté. As paleotocas são estruturas de bioerosão em ambiente continental, encontradas na forma de túneis de centenas de metros de comprimento e que foram escavadas em rochas, por mamíferos fossoriais gigantes que habitavam a América do Sul, durante os períodos Terciário e Quaternário, para fins de moradia permanente ou temporária.
Em ação judicial movida pelo MPMG, a Justiça determinou a proibição de qualquer intervenção que possa afetar a área, uma vez que a preservação destas cavidades é de suma importância, pois, para além das evidências do comportamento desses animais, há elevada chance de que sejam encontrados outros fósseis no local. Segundo apurado, a paleotoca existente na cavidade AP-38 é a única conhecida em Minas Gerais e se destaca também pelo tamanho, com projeção horizontal dimensionada em 345 metros.
Fonte: Ministério Publico MG