O Carneiro Revoltado
CEARC - Centro Espírita Anézio Ribeiro de Camargo

Certo carneiro muito inteligente, mas indisciplinado, reparou os benefícios que a lã espalhava em toda parte, e, desde então, julgou-se melhor que os outros seres da Criação, passando a revoltar-se contra a tosquia. - Se era tão precioso - pensava -, porque aceitar a humilhação daquela tesoura enorme? Experimentava intenso frio, de tempos a tempos, e, despreocupado das ricas rações que recebia no redil, detinha-se apenas no exame dos prejuízos que supunha sofrer. Muito amargurado, dirigiu-se ao Criador, exclamando: - Meu Pai, não estou satisfeito com a minha pelagem. A tosquia é um tormento... Modifica-me, Senhor!... O Todo-Poderoso indagou, com bondade: - Que desejas que eu faça? Vaidosamente, o carneiro respondeu: - Quero que a minha lã seja toda de ouro. A rogativa foi satisfeita. Contudo, assim que o orgulhoso ovino se mostrou cheio de pêlos preciosos, várias pessoas ambiciosas atacaram-no sem piedade. Arrancaram-lhe, violentamente, todos os fios, deixando-o em chagas. O infeliz, a lastimar-se, correu para o Altíssimo e implorou: - Meu Pai, muda-me novamente! não posso exibir lã dourada.., encontraria sempre salteadores sem compaixão. O Sábio dos Sábios perguntou: - Que queres que eu faça? O animal, tocado pela mania de grandeza, suplicou: - Quero que a minha lã seja lavrada em porcelana primorosa. Assim foi feito. Entretanto, logo que tornou ao vale, apareceu no céu enorme ventania, que lhe quebrou todos os fios, dilacerando-lhe a carne. Regressou, aflito, ao Todo-Misericordioso e queixou-se: - Pai, renova-me!... A porcelana não resiste ao vento... estou exausto... Disse-lhe o Senhor: - Que desejas que eu faça? - A fim de não provocar os ladrões e nem ferir-me com porcelana quebrada, quero que a minha lã seja feita de mel. O Criador satisfez o pedido. Todavia, logo que o pobre se achou no redil, bandos de moscas asquerosas cobriram-no em cheio e, por mais corresse campo afora, não evitou que elas lhe sugassem os fios adocicados. O mísero voltou ao Altíssimo e implorou: - Pai, modifica-me... as moscas deixaram-me em sangue! O Senhor indagou, de novo, com inexaurível paciência: - Que queres que eu faça? Dessa vez, o carneiro pensou mais tempo e considerou: - Suponho que seria mais feliz se tivesse minha lã semelhante às folhas de alface. O Todo-Bondoso atendeu-lhe mais uma vez a vontade e o carneiro voltou à planície, na caprichosa alegria de parecer diferente. No entanto, quando alguns cavalos lhe puseram os olhos, não conseguiu melhor sorte, Os eqüinos prenderam-no com os dentes e, depois de lhe comerem a lã, abocanharam-lhe o corpo. O carneiro correu na direção do Juiz Supremo, gotejando sangue das chagas profundas, e, em lágrimas, gemeu, humilde: - Meu Pai, não suporto mais!...Como soluçasse longamente, o Todo-Compassivo, vendo que ele se arrependera com sinceridade, observou:- Reanima-te, meu filho! que pedes agora? O infeliz replicou, em pranto: - Pai, quero voltar a ser um carneiro comum, como sempre fui. Não pretendo a superioridade sobre meus irmãos. Hoje sei que os meus tosquiadores de outro tempo são meus verdadeiros amigos. Nunca me deixaram em feridas e sempre me deram de comer e beber, carinhosamente... Quero ser simples e útil, qual me fizeste, Senhor!... O Pai sorriu, bondoso, abençoou-o com ternura e falou: - Volta e segue teu caminho em paz. Compreendeste, enfim, que meus desígnios são justos. Cada criatura está colocada, por minha Lei, no lugar que lhe compete e, se pretendes receber, aprende a dar. Então o carneiro, envergonhado, mas satisfeito, voltou para o vale, misturou-se com os outros e daí por diante foi muito feliz.
XAVIER, Francisco Cândido. Alvorada Cristã. Pelo Espírito Neio Lúcio. FEB.