O Choro do Não Saber
Wladimir Soares

A ideia do cinema era simples: levar meus alunos do ensino médio a um outro tipo de aprendizado, uma aula emoldurada por luz e som. Escolhi o filme Ainda Estou Aqui pela força da narrativa, mas também pela história que ele contava — uma história que, talvez, eles não conhecessem.
Naquela manhã chuvosa, enquanto as gotas escorriam pelas janelas do cinema, percebi um silêncio diferente conforme os minutos passavam. Era o peso do desconhecido tomando forma, da descoberta que vem como um soco. Quando o filme começou a revelar os horrores da ditadura militar no Brasil, eu os vi desmoronar. Os olhos marejados logo deram lugar a lágrimas correndo sem resistência. E então, entre os sussurros abafados, ouvi os soluços de uma aluna ao meu lado.
Ela virou-se para mim, olhos vermelhos, e disse:
— Professor, diga que isso não aconteceu na história do Brasil.
Por um instante, fiquei sem palavras. O que eu poderia dizer? Como explicar que aquilo que parecia ficção, tão distante, era parte da nossa realidade? Que centenas de brasileiros e brasileiras realmente desapareceram, levados pela brutalidade de um regime que apagava vidas como quem apaga luzes?
Respirei fundo.
— Aconteceu, sim — respondi, com a voz firme, mas o coração apertado.
Ela chorou ainda mais, como se minha resposta fosse a confirmação de um pesadelo. E não era só ela. A sala inteira parecia em luto, não apenas pelas vidas retratadas no filme, mas pelo Brasil que, de repente, lhes parecia tão estranho e cruel.
Naquele momento, compreendi a força de uma história bem contada. Ali, na tela, não havia apenas personagens; havia rostos que podiam ser de alguém que eles conheciam, de um amigo, de uma família. A ditadura, tão distante nos livros didáticos, tornou-se real. E com essa realidade veio a indignação, a dor e a consciência.
Quando as luzes se acenderam, ninguém parecia o mesmo. Alguns ainda limpavam as lágrimas, outros olhavam para o chão, talvez envergonhados pelo próprio choro, talvez tentando processar tudo o que tinham visto. Saímos em silêncio, enquanto a chuva continuava a cair lá fora. Mas era como se cada passo carregasse uma pergunta: como isso pôde acontecer?
Aquela manhã me ensinou algo precioso. Às vezes, nossos alunos não sabem porque ninguém nunca lhes contou. Não porque não quisessem ouvir, mas porque o silêncio também é uma forma de apagamento. Mas, quando a verdade vem — crua, dolorosa —, ela transforma.
Naquele dia, eles aprenderam sobre a ditadura. E eu, sobre a importância de não deixarmos que histórias como essa sejam esquecidas. A dor deles era legítima, porque a história é nossa, e lembrar é a única forma de garantir que ela não se repita.
Alunos do ensino médio da Escola Rodolfo Almeida durante sessão do filme ‘Ainda estou aqui’, no dia 6 de dezembro, em sessão especial às 8h30