O monopólio do sagrado

Na edição de terça-feira, dia 31, a escritora e ex-professora Lúcia Helena publicou o artigo “Protestante em Formiga”, contando, dentre outras coisas, que o ex-prefeito Mariano Silva, lá pelos anos de 1960, reclamava ser vítima de preconceito na cidade, que não podia assumir ser membro da Igreja Presbiteriana por causa de religiosos tradicionais que não aceitavam Formiga ter um prefeito protestante.
Lúcia Helena relatou, inclusive, que, quando jovem, era orientada a nunca passar pela Rua João Vaz, o Beco Protestante onde fica a igreja.
Assim que o jornal circulou, leitores atentos começaram a ver escancarada uma face que a comunidade formiguense camufla. Dá para enumerar e apontar os nomes dos que não aceitavam os diferentes naquela época.
Para registrar, alguns comentários que chegaram à redação: “Eu tive uma professora no Joaquim Rodarte [grupo escolar] que falava em sala de aula para darmos volta do Beco Protestante. A gente poderia ser alvo de feitiço”, revelou uma conhecida empresária.
“No passado, em Formiga, poucas eram as pessoas que professavam sua fé nessa religião, a ponto de serem discriminadas [...] É verdade que éramos orientados por nossos pais a não passarmos pela rua. No meu caso, que fiz o primário no Rodolfo Almeida, tinha permissão para transitar pela Rua João Vaz desde que fosse pelo passeio do outro lado da rua, nem olhar para o templo a gente podia. Acreditávamos que ali era a casa do demônio. Quando o Seu Dico [Sr. Frederico, Diretor Presidente da Charqueada, um dos empresários que construira a igreja] faleceu, as exéquias dele foram realizadas naquela igreja e eu, já um ginasiano, portanto com o estigma daquela religião quebrado, fui lá para assistir o culto de despedida celebrado pelo Pastor Joel, que havia sido meu professor”, narrou, se dizendo emocionado, um ex-professor do Unifor-MG
.“Já comentei sobre o Beco dos Protestantes, não podíamos passar por ali. Reverendo Joel, meu professor, certa vez nos levou à igreja e o mistério acabou”, disse uma conhecida ex-professora do Pio XII.
“Realmente isso acontecia. Minha avó, certa vez, foi a Pains de ônibus para um encontro de pessoas da igreja presbiteriana de Formiga com pessoas da igreja presbiteriana daquela cidade. Tiveram o ônibus apedrejado”, contou um descendente direto do ex-prefeito Mariano Silva.
Hoje, em pleno 2023, pouco mudou. É só ir às redes sociais que dá para apontar um por um dos que se julgam donos do monopólio do sagrado em Formiga neste conturbado século XXI. Ainda bem que não andam obtendo sucesso na política.