Opinião: A Livraria Encantada
Ana Pamplona (de Formiga)

Praça Getúlio Vargas, Formiga, ano de 1.970, quatro e trinta da tarde. O charmoso Fordinho29 amarelo, para em frente à Livraria Cultura. A Menina salta do carro voando, com o costumeiro entusiasmo de todas as tardes em que o Tio, proprietário da livraria, a levava para passear naquele paraíso.
Das altas prateleiras, inertes, os livros saltavam-lhe aos olhos. De todas as cores, tipos e tamanhos. Os infantis eram os seus preferidos, mas ela gostava de todos. Eram aparentemente quietos e silenciosos, mas muito faladores na intimidade. Conversavam com ela. Inclusive, sabiam que ela gostava mais daquela coleção de capa vermelha, “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, de Monteiro Lobato e, também, da coleção de quadrinhos, “As aventuras de Tintim”. Inclusive, ela havia ganhado ambas as coleções do seu adorável Tio. Mas, tudo bem, ninguém tinha ciúmes. Desde que ela, pelo menos, passasse as pequeninas mãos em todos eles. Como se fosse um carinho. E passava. Por vezes os folheava com curiosidade e atenção, nem que precisasse subir na escada para alcançar a todos. Então, todo mundo ficava feliz.
Depois de “perambular” pelos diversos títulos, conversar, escutar e ver gravuras e mais gravuras, escutava o Tio lhe chamar calmamente, como era do seu jeito, já de dentro do Fordinho, pois os chamados dele já haviam começado há muito tempo antes:
— Menina... vamos?
Ela pensava: “Já? Já escureceu? Que rápido! ” — Vamos! Respondia ela, enquanto folheava mais um livro. Até que o calmo e paciente Tio descesse do carro para tentar convencê-la a sair da loja.
Saía, mas somente o corpo. Sua alma permanecia lá, passeando por entre os amados livros, que ela nem imaginava quais letras, aventuras ou histórias, tristes ou alegres, sérios ou de brincadeiras, poderiam morar lá. É por isso que a Menina hoje, mesmo não sabendo de nada, desconfia que, naquele lugar, naquele tempo, naquele espaço, se formara a leitora e a escritora do futuro, graças ao incentivo amoroso do Tio.
Ela deixava a livraria com pesar todas as vezes, e, antes de entrar no carro, a Menina olhava para a inesquecível fachada da loja. Mesmo recém alfabetizada conseguia ler no alto da fachada: “UM PAÍS SE FAZ COM HOMENS E LIVROS”- Monteiro Lobato.
Fica aqui registrada, então, uma singela homenagem a esse grande homem, meu tio, Sebastião Paim Pamplona, que foi um importante pioneiro da cultura formiguense. Para quem não o conheceu, segue pequena biografia:
Sebastião Paim Pamplona nasceu em Perobas (atualmente Doresópolis), Minas Gerais, em 20/05/1944. Seus pais são Efraim Paim Pamplona e Maria Vaz Pamplona, e suas irmãs, Izabel Pamplona Frade e Elisabete Paim Pamplona Baya de Souza. Mudou-se com a família para Arcos, ainda pequeno e logo depois, para Formiga. Estudou no famoso Colégio Antônio Vieira e foi onde ganhou o apelido de “Tião dos Arcos”. Terminou os estudos no Rio de janeiro, no Colégio Pedro II. Voltando a Formiga, entusiasmado pela criação da FAFI-FUOM (hoje UNIFOR), por volta do ano de 1965, fundou a Livraria Cultura, cuja primeira localização foi na esquina da Rua Bernardes de Faria com a Rua Governador Benedito Valadares, um espaço alugado do Sr. Paulo Barbosa, em frente à Escola Estadual Professor Joaquim Rodarte. Ali a livraria iniciou suas atividades, um verdadeiro ponto de cultura na cidade. Era um intenso movimento de leitores entre crianças e adultos, intelectuais, professores ou simplesmente amigos que entravam para o café e prosear. Tião Pamplona, como era conhecido também, comercializou as mais diversas obras literárias, infantis ou adultas, assim como todos os tipos de livros didáticos para as escolas formiguenses e região. Ele fazia questão de visitar todas as escolas e a faculdade, participar de reuniões com professores buscando atualizar-se sobre as necessidades de cada instituição.
A Livraria Cultura foi crescendo e precisou ampliar seu espaço, então esteve em mais dois pontos: na Praça Getúlio Vargas, próxima ao Banco Mercantil, onde permaneceu por um tempo e por último, na mesma Praça Getúlio Vargas, porém, ao lado da “Loja do Zeca”. O movimento lá era grande, principalmente por causa dos livros didáticos. Inclusive, segundo consta, no início de cada ano, a fila de pessoas para a compra desses livros, se formava da livraria até o “Bar do Ponto Chique”. Aos sábados era a vez dos alunos da faculdade. Nessa época foi preciso aumentar até o quadro de funcionários para atender os clientes com a atenção e carinho que o público formiguense precisava, marcas inconfundíveis da personalidade de seu proprietário.
Nesse meio tempo, Tião Pamplona formou-se em Direito pela FADOM em Divinópolis, tendo exercido a profissão de advogado até seu falecimento em 01/12/2000. Por volta de 1971, ele vendeu a famosa Livraria Cultura, que ainda permanece viva na memória afetiva desta autora e cujo legado vai muito além de vender livros. Era puro deleite de cultura, acolhimento e incentivo à leitura e estudo.
Agradecimentos especiais à minha tia Elisabete Pamplona pelos dados biográficos do homenageado e ao meu primo, Gilberto Vaz de Oliveira (primeiro funcionário da Livraria Cultura), pelas preciosas informações aqui registradas.