Opinião: Acuado

Anísio Cláudio Rios Fonseca

Opinião: Acuado
Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor do Unifor-MG, coordenador do laboratório de mineralogia e especialista em Solos e Meio-Ambiente




Os comentários e cochichos sobre minha condição provocam meu desdém. Não ligo mais. Parece que todos sabem que estou doente e que sabem de algo que eu não sei. Poderia esmagar facilmente o que me aflige e extirpar um problema num piscar de olhos, se pudesse ao menos apalpar o que me destrói. Porém, com isso, outros problemas surgiriam e eu continuaria com as mãos e pés atados. Tenho o que se chama supervigilância. No restaurante ou lanchonete, me sento em uma posição onde possa monitorar tudo ao redor. Um trote me deixou mais preocupado. Como dizem, ninguém odeia o feio e o pior. Devo ser bom. Maldito telefone! Eu o desprezo! Vivo no dilema de ser vítima e bom exemplo. Não posso entregar os pontos e não posso reagir porque envolvo terceiros. Tenho que me curvar e abaixar a cabeça, controlar a bola com embaixadinhas que, no final das contas, custarão os melhores anos de minha vida. Como é possível engendrar um quadro tão complexo? Não durmo mais e nem leio mais. Uma frase me cansa a visão e considero uma tremenda perda de tempo ler qualquer coisa. Estou esperando o tempo passar para as coisas se ajeitarem. Não sei mais quem sou, pois fiquei reduzido a um monte de escombros pensantes. Mordo o lábio superior e busco soluções. Às vezes elas parecem simples; às vezes não. Breves momentos de paz me remetem a uma alegria irreal. Sorrio como um retardado e isso acalenta um pouco da minha dor. Amizades fazem o mesmo, mas o abismo em que me encontro é inalcançável. As pessoas não podem me tocar onde estou; tampouco me enxergar. Posso fazer as carantonhas mais abomináveis que, ainda assim, enxergarão uma pessoa que não existe mais. Habito apenas as lembranças e, como minha imagem é a mesma, os que me vêem me enxergam como eu era há anos atrás. Consigo uns lapsos de paz quando me afasto a uma velocidade vertiginosa da minha realidade e me enxergo de bem longe, bem como a pequenez das questões que me torturam. Sou apenas um monte de elementos químicos como o hidrogênio, oxigênio, carbono, cálcio, fósforo, dentre outros. Fiz parte das rochas e da atmosfera primitiva do planeta Terra. Compus corpos de dinossauros e animais que não existem mais. Bilhões de moléculas de água passaram por este corpo e boa parte dele foi continuamente substituído por elementos químicos em seu ciclo fundamental. Quase tudo é mutante, menos essa impaciência dilacerante e essa vontade de sair dessa casca e acordar desse sonho pavoroso. Viver é um sofrimento incessante que passa desapercebido a maior parte do tempo, mas quando se desenvolve a percepção da realidade por pressão dos fatos, esse sofrimento passa a ficar estampado até no sorriso dos que amo. Isso passa a ser até um tipo de neurose. Não vivo em tempos de guerra, não passo fome, tenho quase tudo o que sempre quis ter, moro bem e sou cercado das melhores pessoas, mas basta um desequilíbrio nesta equação para jogar tudo por terra. Estou ferido de morte. Nem as árvores assassinadas na cidade me causam mais dor. Aos que me julgam, desejo que o façam logo e me imputem uma pena que compense os enganos que cometi; se é que os cometi. Mais preso não posso ficar além do que já sou das circunstâncias. Rogo o perdão dos céus, pois não sei o que aconteceu para me deixar assim. Talvez a idade esteja pesando e a certeza de que o amanhã é tão incerto que pode ser até pior. Apenas a chuva me alegra. Seu som, seu aroma, sua cor. É música para os meus ouvidos. Sinto vontade de escrever e desenhar as aventuras dos meus personagens, projeções do meu Eu. Todos os momentos felizes vêem à tona e não me demoro a passa-los para o papel. Um amigo me escreve enquanto chove. Compartilha suas novidades. Alegro-me por ele. Pergunta como estou e não minto. Suas palavras são sábias e, mesmo em sua ausência, sua fé me anima. Amizades forjadas no aço da meninice e juventude são eternas. Comentários de antigas excursões e caçadas nos fazem rir. Ele me diz que espera que eu tenha sensações melhores e assim voltar a sorrir diariamente. Agradeço seu empenho e volto a lutar contra as sombras. Talvez eu até vença, porque não?   

 

 

(Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor do Unifor-MG, coordenador do laboratório de mineralogia e especialista em Solos e Meio-Ambiente)

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