Opinião: Cobrança bancária indevida em conta exclusiva para receber aposentadoria

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Cobrança bancária indevida em conta exclusiva para receber aposentadoria
Artigo: Morte em acidente e perda do direito ao prêmio do seguro de vida Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Meu tio, pela primeira vez, entra em meu escritório. Fico feliz ao vê-lo. Olhando para ele, sempre mato um pouco a saudade de meu pai.

Ele me elogia e diz estar feliz por eu ter me tornado advogada. Falamos dessa minha escolha, na maturidade, por outro caminho profissional. Conversa sobre a família, e, com os olhos marejados, que fazem marejar os meus também, conta casos de meu pai.

Passado esse terno momento, ele me pede uma orientação.

Conta que tem uma conta bancária que usa apenas para receber o valor de sua aposentadoria, que é de um salário mínimo. Geralmente, vai ao banco uma vez ao mês para retirar esse valor. Já ocorreu, uma vez ou outra, ir até lá duas vezes, retirando metade e metade. Sempre achou estranho não receber o valor integral, mas, conhecendo pouco as regras bancárias, achou que aquilo talvez fosse uma taxa que todo banco cobra para guardar o dinheiro dos aposentados.

Na semana anterior, em um encontro com amigos, ouviu um deles comentar que era ilegal o banco cobrar taxa de serviço em conta que é só usada para receber/retirar o valor da aposentadoria. Ficou encucado com essa informação e gostaria de saber se é mesmo indevido o desconto que vem sendo feito.

Pergunto-lhe há quanto tempo tem essa conta e se tem os extratos bancários que comprovam esse desconto. Ele me diz que tem a conta há cinco anos.

Certifico-me com ele se, de fato, usou a conta apenas para recebimento e retirada do valor da aposentadoria, isto é, se não fez outras movimentações nem usufruiu de algum benefício/serviço oferecido pelo banco. Ele me garante que apenas a usa para retirada do que é depositado em seu nome pelo INSS. Afirma que tem todos os extratos, inclusive o último, que está ali com ele.

Analiso esse extrato e vejo que o desconto feito se refere a uma cesta de serviços de conta corrente. Pergunto-lhe se ele assinou algum contrato para ter esses serviços. Ele diz que não, repetindo que só usa a conta para receber sua aposentadoria.

Então, oriento-o a procurar o banco e conversar com o gerente sobre o desconto indevido, solicitando a devolução dos valores que foram descontados indevidamente.

Paro, penso melhor e refaço minha fala. Digo-lhe que, se puder esperar um pouquinho, posso digitar uma carta a ser levada por ele ao gerente, na qual relatará o problema e pedirá a devolução. Dessa forma, além de apresentar a reclamação oralmente, ele a deixará documentada por meio da carta – o ideal é levar duas cópias da carta. Caso o gerente não resolva prontamente a questão, deverá pedir-lhe que assine uma das cópias, dando ciência de que a recebeu naquela data e de que tomou conhecimento do problema.

De posse dessa cópia assinada pelo gerente, ele aguardará um prazo de cerca de cinco dias para a resposta do banco. Se não houver essa resposta, ou houver uma que negue cessar a cobrança e devolver-lhe a quantia, ele deverá voltar a me encontrar para que possamos registrar essa reclamação no site www.consumidor.gov.br.

Ele me pergunta: “Mas isso não vai demorar demais? Não é melhor processar o banco logo?”

Explico que, mesmo se demorar um pouco, é importante que ele tenha em mão provas de que, antes de ajuizar a ação judicial, tentou resolver o problema administrativamente, isto é, junto ao banco.

“E se for preciso processar o banco, você acha que eu tenho chance de receber de volta o dinheiro que descontaram da minha conta?”

Respondo que, com base no seu relato de que sempre utilizou a conta corrente apenas para receber e sacar seu benefício previdenciário, e de que não contratou nenhuma cesta de serviços dessa conta, pediremos, na ação judicial, que seja declarada a inexistência dessa contratação e a devolução dos valores que foram descontados mensalmente.

Como ficará evidente não existir nenhum contrato assinado por ele relativamente à cesta de serviços e, com base nas movimentações registradas nos extratos, não ter ele usado a conta para outra finalidade a não ser receber/retirar o valor da aposentadoria, em uma parcela única no mês ou, no máximo, em duas, conseguiremos provar seu direito à devolução dos valores cobrados indevidamente.

Provaremos que o banco falhou na prestação do seu serviço.  Foi, no mínimo, negligente (o que o torna culpado). Melhor dizendo, agiu de má-fé, quando, sem que tivesse assinado um contrato com ele, subtraiu de sua conta bancária valores que, no conjunto, fazem tanta diferença, principalmente considerando um benefício previdenciário de um salário mínimo, como é o caso. Fez esses descontos sem que existisse uma contratação de serviço. Com base nisso, pediremos a devolução do valor em dobro desde a data da primeira cobrança feita.

Digo-lhe que, em casos semelhantes ao seu, os Tribunais reconhecem que há, além do prejuízo financeiro, um dano moral. Isso significa que temos amparo na lei para pedir não apenas a devolução em dobro dos valores cobrados, mas também uma indenização por dano moral.

Ele se vai, feliz demais por existir Justiça.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com