Opinião: Contava com o Plano de Saúde, mas se viu em apuros

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Contava com o Plano de Saúde, mas se viu em apuros
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Seu filho de quatro anos foi diagnosticado com transtorno do espectro autista. O tratamento indicado pelo médico foi terapia multidisciplinar com fonoaudióloga, psicóloga e terapeuta ocupacional, atendimento esse a ser ofertado em casa ou na escola, por tempo indeterminado. Recorreu ao seu Plano de Saúde para que o filho recebesse esse tratamento. Este lhe indicou clínicas credenciadas por ele, porém todas elas ficam distantes do lugar onde ela e o filho residem ou, então, não oferecem as especialidades de tratamento que o médico recomendou. Procurou novamente o Plano, explicando-lhe essas dificuldades, mas lhe foi dito que aquilo era o que podia ser oferecido ao filho dela.

Desnorteada, buscou alternativas para não comprometer o desenvolvimento do menino. Conversou com familiares e conseguiu empréstimos para que ele fosse atendido nas especialidades que o médico indicou.

Sentiu-se frustrada e desamparada, pois, quando, apesar das dificuldades financeiras, contratou o Plano de Saúde para seu filho, logo que este nasceu, sua expectativa era que, se a criança necessitasse, o atendimento lhe seria prestado. Nunca havia atrasado nenhuma das parcelas mensais, ciente da importância de manter o seguro-saúde ativo. Viu-se sem saída, embora uma voz interior lhe dissesse que não era possível uma situação injusta assim se manter. Inspirada por essa voz, decidiu conversar comigo. Deseja processar o Plano.

Comento com ela que, de fato, quando fazemos um seguro-saúde (e a contratação de um Plano de Saúde é, a rigor, a contratação desse seguro), nossa expectativa, como consumidores, é que ele nos atenda quando precisamos, prestando-nos serviços médicos, ou, se não puder fazê-lo, que nos reembolse, caso tenhamos de contratá-los particularmente. Nenhum de nós pode dizer se adoecerá, se precisará fazer exames e ser internado. Nenhum de nós pode dizer que doença terá. Uma das razões de fazermos um seguro-saúde é essa.

Digo-lhe que o autismo tem cobertura obrigatória por parte dos Planos de Saúde, de acordo com o que determina a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Quanto aos processos judiciais movidos contra esses Planos, o entendimento dos Tribunais é que, se a doença, o exame ou o procedimento constarem da lista divulgada pela ANS e tiverem sido indicados pelo médico do segurado, não podem ser negados. Mesmo outros que não constem dessa lista, mas forem indicados pelo médico assistente do segurado como essenciais para a saúde deste, poderão ser cobertos, dependendo da situação.

Digo-lhe que, na vida real, o que se vê são dezenas de processos contra os Planos de Saúde devido a negativas de atendimento. Se estiver coberta a enfermidade, eles não podem decidir o tratamento que mais convém a eles ou restringir os procedimentos e exames indicados. Estando devidamente comprovada a necessidade, devem, sim, observar o que foi indicado pelo médico do segurado. Quem define o tratamento é o médico, não o Plano de Saúde. Se houver, no contrato com o Plano, uma cláusula de restrição nesse sentido, ela será considerada nula, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.

No caso do filho dela, que é autista, é evidente que a falta do tratamento adequado poderá comprometer o neurodesenvolvimento dele. Se o Plano de Saúde não tem como ofertar esse tratamento, terá de ressarcir as despesas de contratação de atendimento particular de clínica ou profissionais que não forem credenciados por ele. Ao se negar a reconhecer as dificuldades apresentadas por ela, dificuldades essas impeditivas de o filho receber o tratamento indicado, bem como se negar a cobrir esse tratamento, o Plano ficou exposto, inclusive, a ser processado por danos morais.

Pergunto-lhe se tem cópia do laudo médico que apresentou ao Plano, se tem algum documento que comprove que apresentou o pedido de atendimento a ele e se tem recibos dos valores que estão sendo pagos por ela aos profissionais que estão assistindo seu filho. Ela diz que tem isso, sim. Tem, inclusive, cópia da carta protocolada junto ao Plano, na qual expôs suas dificuldades. Falo, lembrando a frase marcante usada por um amigo: “Bom, muito bom.” Apresentar esses documentos, logo no início da ação judicial, facilitará o caminho. O direito precisa ser demonstrado, não apenas reclamado.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com