Opinião: Curatela compartilhada para a mãe, que tem Alzheimer

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Curatela compartilhada para a mãe, que tem Alzheimer
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Os primeiros sinais foram a repetição da mesma pergunta e dos mesmos relatos várias vezes, assim como uma irritabilidade exagerada surpreendente, visto que ela sempre fora uma pessoa calma e serena. Os filhos pensaram que fosse coisa da idade, mas, quando chegaram a agitação e a insônia, que a faziam passar a noite em claro, ficaram preocupados. Levaram-na ao médico e, feitos os exames, veio o diagnóstico: mal de Alzheimer.

Por dois anos, o quadro da doença evoluiu de forma relativamente lenta, mas, após esse tempo, estavam estampadas na mãe a dificuldade de coordenar movimentos, de se alimentar, bem como a incontinência urinária. Nesse meio tempo, devido ao agravamento de sua demência, providenciaram sua interdição, em que o Juízo reconheceu ser ela incapaz de praticar quaisquer atos da vida civil, sem a assistência de um(a) curador(a).

Foi determinada a curatela. Com isso, a mãe passou a ser representada legalmente por sua filha mais nova, maior de idade, que com ela reside. Como curadora, essa irmã assumiu o dever de proteger a mãe, de cuidar dela e zelar por sua vida e seu patrimônio. Ela teve de assinar um Termo de Compromisso, no qual ficou estabelecida a proibição de venda de qualquer bem móvel, imóvel, ou de qualquer natureza, pertencente à mãe, a não ser que houvesse autorização judicial para isso. Também ficou proibido tomar qualquer empréstimo em nome da mãe.

Tudo vinha transcorrendo bem, porém, ele, que está me contando tudo isso, percebeu que essa irmã estava ficando desgastada emocional e fisicamente. A responsabilidade que pesa sobre ela a está levando ao estresse. Preocupado, conversou com o outro irmão e a outra irmã a respeito do encargo da curatela. Depois, procuraram a irmã que assumira tal encargo e chegaram à conclusão de que o ideal seria que essa responsabilidade fosse compartilhada.

Escolheram-no como pessoa indicada para dividir as responsabilidades com a irmã curadora. Por isso, me procurou. Quer saber se é possível instituir mais um curador para a mãe, ou seja, se a curatela pode tornar-se compartilhada.

Explico-lhe que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), em vigor desde 2015, inseriu no Código Civil um artigo que permite expressamente a curatela compartilhada. Esse artigo nada mais fez do que oficializar uma prática comum. Muitas vezes, é mais de um parente que cuida do doente.

Para obter a curatela compartilhada, é preciso ajuizar um pedido e demonstrar que se atenderá melhor aos interesses da pessoa incapaz, no caso, mãe deles, se essa responsabilidade couber simultaneamente a mais de uma pessoa. O Juízo analisará a situação e fará prevalecer o interesse da mãe, a qual, em razão da enfermidade que a acometeu, perdeu seu discernimento e capacidade de expressar lucidamente sua vontade. Se considerar que, para a defesa desses interesses, é necessária a curatela compartilhada, autorizará isso. Assim, haverá uma repartição das tarefas e responsabilidades.

Como os irmãos estão de acordo quanto ao pedido e quanto a ser ele o outro curador, digo-lhe que isso facilitará a decisão do Juízo.

Ele me pergunta se o compartilhamento pode dar-se apenas entre duas pessoas. Digo que não. O curatelado (aquele que tem curador) poderá ter duas ou mais pessoas responsáveis por assisti-lo. Vai depender do caso concreto. O que se deve buscar é o amparo mais adequado ao curatelado.

Terminado o esclarecimento de dúvidas, ficamos ali a conversar sobre a vida e sobre a tristeza de ver um familiar perdendo a lucidez e a autonomia física devido a alguma doença ou devido à idade avançada. Muitos voltam a ter uma dependência semelhante àquela que as crianças têm.

Com a criança, geralmente se tem paciência – paciência para ensinar a beber, a comer, a andar, para responder a perguntas (geralmente encaradas como uma graciosidade dos pequenos), para ouvir seus relatos e suas fantasias, para limpar suas fezes e urina...

Infelizmente, não é assim com o idoso. Os filhos, que tudo aprenderam com os pais, impacientam-se com eles. Muitos ridicularizam o que dizem, esperam deles uma sabedoria aprendida nos bancos das escolas de formação superior (formação que muitos pais não têm), esquecidos de que sábio é quem respeita e valoriza o outro; sobretudo, sábio é quem sabe expressar gratidão. E a gratidão aos nossos pais idosos, ou mesmo a nossos parentes idosos, expressa-se no cuidado que devotamos a eles.

Poderíamos continuar ali a conversar sobre isso, mas as obrigações da vida nos chamam.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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