Opinião: De mim, um porco
Robledo Carlos (de Divinópolis/MG)

A festividade me remete à gratidão, à lembrança, à dor, à ausência e à percepção de vida.
Tudo em cores, em sons, em falácias, em roupas novas e porcos.
Mata-se sempre um pouco e em festivas, os porcos.
Ainda ajudo na escolha do enlameado piau que ligeiramente passa sob meus olhos e nossos olhares se cruzam, eu no afã da captura e ele, de salvar-se.
Festivo, gritos, tombos e lama.
Ele perdeu.
Ele grunhir escandalosamente ainda lançando olhares para mim.
Cheiro de terra podre, barulhos de pés no chão e ordens de outros a cumprir.
Grunhir ele e eu em silêncio.
A faca em atrito molhado sob pedra já calejada de outros, nem mais sente o aço a lhe corroer em fio.
A amolar a faca e eu sem jeito.
Me sinto porco.
Eu sou o porco.
A faca não é o porco, mas a mão que desfere, sob sua patela à esquerda, em busca do acerto final sob seu coração, em sangria desatada que lhe cobre a mão escondendo o cabo de ipê roxo e dois pinos de bronze da peixeira.
Agora é sapecar, uma moita escolhida de bananeiras para forrar e capim para sapecar.
O cheiro de barro e cabelo queimado.
Muita euforia e cortes em carnes sob tablados a escorrer vermelho.
Lava o tacho de cobre com limão capeta pra tirar o zinabre, ele brilha e faz o torresmo.
Suas entranhas viraram linguiça.
De minha vez e de vez do porco.
Sempre terminávamos em luzes fracas, pouca luminosidade, e, às vezes em silêncio, barulhos agora são de limpeza.
Hora de lavar tudo, em respeito ao porco e um pouco de mim.