Opinião: Doou a um filho mais do que legalmente podia
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

A mãe sempre demonstrara predileção por um dos filhos – ao todo, eram cinco. Este vivia às voltas com entradas e saídas de empregos, o que lhe trazia instabilidade financeira. A mãe se preocupava com essa situação e o socorria nos momentos de dificuldade, muitas vezes repassando a ele a maior parte do que recebia como aposentada. Isso foi ocorrendo até que ela resolveu doar a ele um imóvel para moradia. Dessa maneira, ele teria pelo menos um teto para a família dele.
Os irmãos ficaram incomodados com aquilo, pois acreditavam que a prontidão materna em ajudar esse irmão contribuía para que ele não se fixasse em emprego algum. Além do mais, o imóvel seria de todos eles, em caso de falecimento da mãe, se não tivesse sido doado. Para não se indisporem com ela, silenciaram, embora insatisfeitos.
Agora, a mãe faleceu. Os irmãos acham que aquele que recebeu a doação não pode, no momento em que for feita a partilha dos bens deixados pela mãe, receber o mesmo percentual que eles. Acham injusto isso, pois ele será mais beneficiado, visto que já recebeu um imóvel. A irmã, que me relata isso, quer saber se existe algum jeito de questionar a doação.
Explico a ela que há um limite para as doações feitas por ascendentes a descendentes (no caso, da mãe para o filho): elas têm de respeitar a legítima. A legítima é calculada levando em conta o valor dos bens existentes na abertura da sucessão (quando falece a pessoa dona dos bens), deduzindo-se as dívidas deixadas pelo falecido e as despesas com funeral, bem como somando-se o valor dos bens sujeitos a colação (esses bens são os adiantamentos feitos, em vida, pelo autor da herança aos herdeiros).
Dos 100% dos bens que pertenciam à mãe (era viúva), 50% eram necessariamente dos cinco filhos, que são os herdeiros necessários. Com os outros 50% ela poderia fazer o que quisesse. Se o imóvel que ela doou ao filho não ultrapassa esses 50% que eram somente dela, está tudo certo. Os irmãos só poderão reclamar algo se a doação tiver ultrapassado esses 50%, “invadindo” os 50% que caberiam a todos os filhos.
Percebo que ela não está compreendendo bem o que lhe explico. Dou um exemplo: imaginemos que todos os bens deixados em herança valem 400 mil reais. Desses 400 mil, 200 mil (50%) poderiam ser destinados pela mãe a quem ela quisesse. Os outros 200 mil (a legítima) seriam divididos entre os cinco filhos, o que daria um quinhão de 40 mil para cada filho.
Pergunto a ela quanto valia o imóvel doado e se a totalidade de bens da mãe, à época da doação, era a mesma do momento em que faleceu. Responde que os bens eram os mesmos e que o imóvel valia 300 mil. Então, ao doar um imóvel no valor de 300 mil reais, a mãe dela ultrapassou em 100 mil o valor do qual poderia dispor. Isso significa que 100 mil desse imóvel “invadiram” os 50% que cabiam a todos os filhos. Ou seja, o irmão já recebeu 20 mil dos 40 mil que lhe cabiam, e está usufruindo de 80 mil que pertencem aos irmãos. Esse valor de 80 mil precisará ser repassado aos quatro irmãos, 20 mil para cada.
“Mas meu irmão recebeu um imóvel que valia 300 mil reais... como pode ser apenas esse valor de 20 mil?” É que o dono da herança (no caso, a mãe dela) pode dispor de 50% dos seus bens da forma como quiser. O que não pode é ultrapassar os limites da legítima.
Quando uma doação, feita em vida pelo autor da herança, prejudica a legítima, isto é, excede os 50% de que ele pode dispor na época em que pratica o ato, pode ser considerada nula, para que seja resguardada a parte a que cada herdeiro legítimo tem direito. Essa nulidade recai apenas sobre a parte que excede a legítima. A doação só será considerada válida, se não atingir o direito de todos os herdeiros necessários.
Ela sai e percebo que vai insatisfeita. Gostaria de ter ouvido de mim que também os 200 mil reais que cabiam à mãe dela teriam de ser divididos entre os outros quatro filhos. Para não acentuar sua insatisfação, evitei dizer a ela que é justo um dono de herança decidir o que fazer com 50% dos bens que angariou ao longo da vida. A motivação para chegar a doar esses 50% é dele. Há de ser respeitada.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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