Opinião: E agora, José?
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

A princípio, ideia razoavelmente boa e interessante. Recitar numa mesa de bar, entre colegas de copo, corpo e cruzes, o poema de Carlos Drummond de Andrade, obra originalmente publicada em 1942. No conjunto, tudo para dar certo. Boa intenção, postura, voz grave no falar, gestos apropriados para a ocasião. Mas... E agora, José?
Coincidência temática, palavras dizem respeito à situação de impotência e de abandono por que passa o ser humano no dia a dia. A desilusão e a angústia marcando a sensação de não ter para onde ir e que caminho tomar. Aquela coisa beirando o inexplicável. Uma expressão francesa explica o momento e o estado de coisas: “Je ne sais quoi!”. Singela tradução, um não sei o quê!
Em suma, a tônica do laureado trabalho de Drummond. O maior poeta brasileiro pelo conjunto das coletâneas poéticas nos toma de assalto e nos mantém reféns de um drama vertido num clássico literário a que muitos estão sujeitos.
E foi com essa que se armou a confusão. E rendeu espetáculo maior e melhor do que saraus de tempos de glória na Praça da Matriz de Passos, pelas graças de Adonirinha, de tradicional família Moraes.
Mas o dramalhão ficou por conta do proponente à apresentação em local público, restrito a umas vinte, talvez mais pessoas. Não se sabe ao certo. Passantes indo; vindo, uns parando pra comprar cigarro, molhar a goela... Pararam para assistir à cena.
E agora, José?
A festa nem sequer tinha começado, luz acesa, gente do povo presente, noite levemente agradável. Havia nome em cena: José. Mas, e agora? Ainda que versos fluíssem sem rima, até então nada de protestos.
Mulher no pedaço e discurso havia, com e sem carinho. Se podiam beber no incômodo da dor do fígado e baço que incomodava para o dia seguinte... Perigo maior nas chamas dos cigarros acesos. Podia-se até mesmo cuspir à sombra da noite, àquela altura morna. Bonde preso na utopia do tudo acabou, no tudo fugiu, no tudo mofou, no amor que ficou para trás.
E se poetizava em doces palavras que se perdiam em momentos de febre, gulas a machucar o espírito de mágicos instantes, sim, no jejum de bibliotecas, lavra de ouro que se perdeu no pó da esperança, os ternos de vidro da incoerência sem ódio.
E mais:
Ainda que na esperança de abrir portas por chaves para entraves da inexistência de portas. Sem mar para se morrer na sequidão da saudade decorrente de idas sem vindas. Minas o impedem, porque Minas não há mais.
E agora, José?
Não basta gritar, gemer, ainda que se tocasse linda valsa vienense. Pudesse dormir ao som de entrelaçados cânticos. Não pode mais. Pudesse dormir de tão cansado, mais querendo a morte por não valente vida. Mas, que nada! José é duro. Não morre. Nem de tédio. Quando, no escuro, mais parecendo bicho-do-mato, sem teo... Teo, o quê? Agonia? Teogonia... Depois se vê. “Algo a ver com origem dos deuses e do universo”, alguém com smartphone à mão gritou ao fundo.
E para infelicidade geral, porque também não havia, parede continuava nua para nela se apoiar. Deixou-se o cavalo branco de Napoleão de lado e se apelou para recheio rítmico do cavalo preto fugir a galope.
E José marcha. Para onde? Não se sabe.
Encerra-se a fala, a conversa, algo parecendo coisa de louco. Sem métrica, versos, ritmos. Ninguém aplaude, ninguém manifesta, ninguém sorri.
Segue-se o que antes se esperava. A expressão do sentimento vão, vazio e não corporificado. Isso mesmo. Um “Je ne sais quoi!”, ou um não sei o quê!
O que se viu, ouviu, ficou para trás. Não se sabe ao certo e por certo o que virá pela frente. Sensação fria do abandono. Melhor se apelar para a monotonia de seguintes dias, sem adorno e nem luxo e riqueza.
A graça de viver na abastança corre distante. Ilusão e desilusão para outros dias também não se sabe. E se haverá manhãs e amanhãs de gala. Fica-se no muito pelo contrário; no pode-se estar a atrapalhar.
No coletivo, José, ou “Josés”. E em conexão aflita, muita desigualdade. Habitantes de um planeta em que bilhão de famintos dormem todos os dias e sonham sonhos cinzentos para espantar a tristeza. Não só da fome e miséria, mas do existir de vida brotada no antes e para incerto depois; sem o durante e tampouco talvez.
E agora, José?