Opinião: É pessoa com deficiência e foi aprovada no vestibular
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Ela foi aprovada no vestibular para o curso de Direito. Nós, seus amigos, e toda a sua família vibramos com essa vitória. Essa vibração é comum em relação a qualquer pessoa que vence esse desafio, mas, no caso dela, vibramos muito mais. É que nós a consideramos uma guerreira.
Aos dezesseis anos, ela escorregou e bateu violentamente o rosto na quina de uma mesinha de centro da sala da casa dela, o que provocou um grave trauma em seu olho esquerdo. Desse olho ficou irreversivelmente cega. Passando a enxergar apenas com o olho direito, mergulhou na tristeza de se ver, tão jovem, com seu campo de visão limitado. Esteticamente, isso também a incomodava, pois a íris ficou branca. Tinha vergonha de se apresentar sem óculos escuros para as pessoas.
Quando conseguiu disfarçar a íris sem cor, por meio da colocação de uma lente que imitava um olho saudável, aprendeu a conviver com sua nova realidade, com suas limitações para calcular bem distância, profundidade e espaço. Aprendeu a aceitar que, por causa disso, teria mais dificuldade, inclusive, em manter seu equilíbrio e sua coordenação motora.
Quando foi prestar o exame vestibular, informou sua condição de pessoa com deficiência. Sim; ela passou a fazer parte da comunidade de pessoas com deficiência. A Organização Mundial de Saúde considera como pessoa com deficiência quem tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal. Em sintonia com isso, foi sancionada no Brasil, em março de 2021, a Lei 14.126, reconhecendo a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual.
A universidade lhe prestou assistência durante a realização das provas de vestibular, além de lhe fornecer provas impressas com textos e figuras ampliados, para facilitar a leitura, e estender seu tempo para que pudesse resolver as questões.
Porém, ela, agora já aprovada, está apreensiva. A universidade lhe dará assistência especial durante as aulas? Será que, nas avaliações, continuará tendo mais tempo que os colegas para responder às questões?
Ouço-a e procuro tranquilizá-la. A Educação é um direito da pessoa com deficiência. As instituições educacionais têm a obrigação de assegurar não apenas condições de acesso ao ensino, mas também de aprendizagem e participação dos alunos com deficiência nas atividades acadêmicas. Não podem ser negligentes em relação à assistência que devem prestar-lhes, nem discriminá-los por sua condição. Se sua condição impõe que ela receba atendimento educacional especializado, serviços e materiais adaptados, para que, assim, concorra em condições de igualdade com seus colegas, a universidade terá de providenciar isso.
Ela me pergunta se terá de pagar uma mensalidade diferenciada devido ao fato de ser necessária a produção de material didático em formato adequado para ela; por exemplo, apostilas com letras maiores. Digo-lhe que as escolas são proibidas por lei de cobrar valor adicional por atender pessoas com deficiência. Mesmo que seja necessária a contratação de uma assistência personalizada a um aluno com deficiência, isso não pode ser cobrado dele ou de sua família.
Comento com ela recente decisão de um Tribunal que condenou uma universidade a indenizar por dano moral uma aluna com visão monocular, por ter restringido a assistência que lhe prestou nos três primeiros anos de curso. A aluna vinha sendo muito bem atendida, recebendo material e suporte adequados, até que a instituição deixou de lhe fornecer material adaptado para leitura, o que repercutiu imediatamente na sua aprendizagem, piorando seu rendimento acadêmico. Ao deixar de manter as condições já ofertadas à aluna, a universidade falhou na prestação de seus serviços, provocando retrocesso e causando danos à aluna. Por isso, foi condenada.
Oriento-a a fazer sua parte: informar à universidade na qual foi aprovada suas necessidades especiais, e, com base nelas, deixar claro se precisará de assistência nas atividades acadêmicas, bem como de dilação de tempo para fazê-las, ou se precisará de formatos especiais para as provas e apostilas. Será preciso que, junto a essa solicitação de atendimento especial, ela apresente comprovação da sua condição de pessoa com deficiência. Um relatório médico resolverá isso muito bem.
Nós nos despedimos. Segue ela, com espírito inflamado pelo novo desafio que – sei – enfrentará corajosamente. Sigo eu, contente, muito contente por conhecer pessoa igual a ela: gosto de gente que não se abate e que encara como oportunidades os obstáculos.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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