Opinião: Ensino ontem e hoje - impressões de um aluno que conviveu com respeito, interesse e paz na sala de aula
Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga/MG)

Tenho 60 anos, aparência de 30 e saudosismo de 80. Na minha época de estudante do ensino fundamental e médio, havia duas possibilidades: ou você sabia; ou não sabia. Havia também a possibilidade de ser um bom colador, mas ainda assim precisava saber um pouco para fazer uma prova. Se o resultado final não atingia a média, vinha a temida recuperação. Enquanto os outros colegas degustavam a liberdade das férias (e era um bom tempo), os recuperandos ficavam estudando ao som da chuva de dezembro. Se ainda assim a média não era alcançada, a bomba era inevitável e o jeito era fazer tudo de novo, sem stress, sem depressão e ataques de histeria. Apenas baixar a cabeça em reconhecimento ao fracasso e fazer as coisas de um jeito melhor. Honestamente, me preocupa muito como as coisas andam no ensino hoje em dia. A democratização do acesso ao ensino em todos os seus níveis foi, teoricamente, muito positiva, mas daí a considerar o nível com que as coisas estão hoje, são outros quinhentos. O tempo de férias diminuiu por causa da carga horária, mas será que isso resolveu alguma coisa? O Paulinho foi meu professor de química e tinha dia que ele dava um capítulo inteiro do livro do Ricardo Feltre. Exagero? Ora, até os mais folgados da sala sabiam química como ninguém. E a física do Ronan Vaz? Jesus Cristo, a gente tinha que saber aquilo tudo de trás para frente. A turma se preocupava em estudar e FICAR DE BOCA FECHADA nas aulas, para assuntos paralelos, evidentemente. Morríamos de vergonha quando éramos repreendidos por estar conversando na hora da explicação e, com raríssimas exceções, havia um grande respeito pelos mestres. Algumas aulas eram hilárias, como aquelas de genética com os casos de paternidade duvidosa expostos pela professora Melvira, lá no colégio Aplicação. Risadas e trocadilhos faziam parte, mas o clima era muito bom. Hoje, com testes de DNA, isso virou coisa de comédia, mas o conhecimento para tais técnicas veio daí. Nem de longe o ensino era a ditadura dos tempos do meu pai, porque no meu tempo professores e alunos eram amigos, mas havia aquela linha limítrofe do respeito básico. Hoje? Ai, ai; hoje a turma invade a sala com estas inutilidades (em sala) como celulares, mp3 e ipods. Gravar aula? Não é melhor prestar atenção? Conhecimento geral? Hilário. Sabem tudo da vida da Britney Spears e letras de funk tupiniquim, mas ninguém sabe o que é e para que serve o periodato de cádmio, o que são fractais, direção da corrente elétrica em função do campo eletromagnético, o que significa LASER ou onde se localiza o externocleitomastóideo...
Evidentemente existem aquelas clássicas exceções que brilham por onde passam. Tomar bomba com este sistema hoje? Muito difícil! Virou fábrica de malandro. Democratização do ensino não pode significar prostituição. As exigências devem ser rígidas, para que o nível melhore novamente. Quer estudar? Rale como eu e meus colegas ralamos os 365 dias do ano, ano após ano, para terminar cada série. Ah, mas hoje não é decoreba; o aluno é instigado a pensar! Ahahahah, mas pensar como se não tiver um bom embasamento teórico para desenvolver suas idéias? Muitas vezes não têm nem um lar! Disse lar; não casa! Felizmente disciplinas como filosofia, música e outras estão de volta às grades curricular. Graças a Deus; graças a Deus! No meu tempo tinha Moral e Cívica, OSPB, religião e educação para o lar (Artes práticas), onde o aluno, por mais despreparado que viesse de sua esfera familiar, aprendia algumas técnicas de manufatura e uns conceitos de moral e civilidade. Quase não escuto dizer que há redação nas aulas. Na minha época tinha redação em cima de redação e, particularmente, agradeço muito à minha querida amiga professora D. Aparecida Resende, hoje na casa de Deus, por ter aprendido a desenvolver textos com facilidade e fluidez. Hoje existe uma turma ENORME que não sabe se expressar e nem escrever, e ainda vem uma reforma ortográfica para complicar o pouco que se sabia do nosso código secreto- a língua portuguesa. Necessária? Sei lá, não vou contestar, para mim não, mas agora, até acostumarmos...
Da minha época (1975-1982) para cá muito mudou e infelizmente grande parte para pior. As placas tectônicas se moveram em média 150 cm desde então e a escola, muito mais. Hoje há na escola o tráfico, ameaças, greves, violência, alcoolismo, drogas, desrespeito, roubo, terrorismo, muita gravidez indesejada, AIDS, depressão, stress, suicídios, raptos, crimes hediondos. Claro que também há boas tecnologias, ambientes fisicamente melhores, ótimas pessoas e acesso ao conhecimento de sobra, esperando ser colhido, dependendo de as mentes estarem bem preparadas. Nesse meio, mestres do meu tempo conviveram com mestres mais jovens e sem conhecimento da boa realidade de nossa época. Ainda assim, mesmo com um sistema de ensino questionável, a escola e o professor continuam sendo fontes onde todos devem saciar a sede de conhecimento; conhecimento verdadeiro, meritório e preparatório para um futuro com dignidade e honra, com o orgulho de se saber que a vitória veio suada e honesta. Ensino e vida de qualidade para todos, sem exceção.