Opinião: Estava cumprindo aviso prévio, quando adoeceu
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Ele trabalhou por treze anos em uma empresa do ramo alimentício. Considerava-se um bom funcionário, dedicado e responsável, tanto que ocupava um cargo de gerência. Porém, isso não foi suficiente para mantê-lo no emprego, quando os proprietários, que também eram os administradores do negócio, contrataram uma consultoria. Os processos e procedimentos internos foram revistos, o que levou a uma reformulação do quadro de pessoal. Os patrões ouviram dos consultores que, para reduzir os custos, seria necessário reduzir ao mínimo os níveis gerenciais, pois a estrutura da empresa estava inchada. Infelizmente, a gerência que ele exercia foi uma das eliminadas.
Viu-se demitido, desnorteado. Seu rumo, por treze anos, havia sido determinado por seu trabalho. Até a própria casa ele escolhera levando em conta a proximidade com a empresa. Viu-se como uma das personagens do livro “Quem mexeu no meu queijo?”, de Spencer Johnson, obra lida por ele anos antes. Agora, conseguia compreender melhor a narrativa em que, todos os dias, as personagens saíam por um labirinto em busca de seu queijo. Acreditou, como Hem e Haw, que seu queijo (seu emprego) estaria sempre ali, esperando por ele. Como eles, não percebeu as mudanças que vinham ocorrendo na empresa. Quando seu queijo se foi, ficaram perdidos, estagnados. Ele também ficou assim.
A sobrecarga emocional advinda da demissão o adoeceu. Já cumprindo o aviso prévio, apresentou, em determinado momento, todos os sintomas de um infarto. A esposa o levou imediatamente a um cardiologista, que, após vários exames, chegou ao diagnóstico: tinha uma cardiopatia grave e precisava tratar-se. Sua vida se misturara demais com seu queijo, a ponto de atingir sua saúde – foi o que pensou.
Comenta que é tão comum as pessoas depositarem todos os seus objetivos e esperanças na empresa em que trabalham! Acabam se acomodando; acabam se sentindo tão seguras que ficam desatentas às mudanças que ocorrem ao seu redor. Não percebem que o queijo está diminuindo ou mudando de lugar. Acordam, um dia, vão em direção a ele, mas ele mudou de lugar ou desapareceu. Como tudo era centrado ali, perdem o rumo.
Não há nada errado em alguém se dedicar ao trabalho, a um emprego, a uma empresa, mas, para o próprio equilíbrio – digo a ele –, é importante ter um pouco dos ratinhos Sniff e Scurry, também personagens de “Quem mexeu no meu queijo?”. Estes, apesar de seguirem a rotina de ida até o queijo, cheiravam-no a cada manhã para detectar se havia mudado, assim como cheiravam os arredores para ver se descobriam outro manjar. Assim, quando seu queijo desapareceu, logo reagiram e seguiram adiante em busca de um novo, pois conheciam todos os arredores.
Interrompemos nossa reflexão quando me pergunta que orientação posso dar a ele, já que o médico lhe prescreveu um repouso de vinte dias. Como ele já cumpriu o tempo mínimo de carência, que é de doze meses, exigido pelo INSS, digo-lhe que deve requerer o benefício do auxílio-doença. Para isso, precisará apresentar atestados, exames, receitas e laudo médico relativos à sua cardiopatia. O INSS agendará uma perícia médica, para se certificar do seu estado de saúde.
Ele me diz que sua dúvida maior é em relação a como ficará sua situação com a empresa. Explico-lhe que, sendo concedido o auxílio pelo INSS, seu emprego estará garantido provisoriamente, devendo a empresa cancelar o aviso prévio. Os efeitos da dispensa dele só se concretizarão depois que expirar o benefício do auxílio-doença. É que o contrato fica suspenso, não sendo contados os dias de aviso nesse período de auxílio-doença.
Percebo que, no seu íntimo, alegra-se com o fato de poder prolongar um pouco mais seu pertencimento a uma empresa à qual tanto se dedicou. Fico pesarosa – ele ainda não entendeu que precisa enfrentar o labirinto da vida e buscar novos caminhos, outros queijos. Se o labirinto, muitas vezes, é marcado por corredores sem saída, possibilita, por outro lado, encontrar queijos deliciosos como nunca tivemos a oportunidade de saborear.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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