Opinião: Formiga no ‘Mineiros frente a frente’

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Formiga no ‘Mineiros frente a frente’
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Minha irmã Cecília aprendeu a dirigir com um senhor que morava em frente à barraca de verduras do Seu Joaquim Veloso, a barraca ficava ao lado da Ponte do Quinzinho, quase em frente à Sede da Banda. Não sei seu nome correto, mas lembro que o instrutor atendia por Zé Varal.

Era início dos anos 1970 e o fato de Cecília ter virado chofer facilitou muito a vida da família, principalmente de minha mãe, Dona Maria Aparecida. Nós morávamos em uma pequena casa atrás do Cemitério do Rosário e papai, Seu Coló, tinha acabado de comprar um fusquinha azul do Seu Mariano Silva, aquele que foi prefeito.

Até então, era muito difícil para mamãe fazer compras no Armazém Pieroni, que ficava na Praça São Vicente Férrer, e no Açougue Modelo, na Rua Barão de Piumhi. Existia um menino loirinho que tinha o apelido de Paca que levava as compras lá pra casa, mas às vezes ele sumia. Com um pequeno defeito na perna esquerda, papai nunca dirigiu muito bem e Cecília acabou sendo a dona do volante, íamos para todo lado.

Em 1972, os moradores de Formiga sintonizavam apenas um canal de televisão, era a “TV Itacolomi”, uma afiliada da extinta “Rede Tupi”. Uma das atrações de maior audiência era “Mineiros frente a frente”. O programa, apresentado por um radialista chamado Dirceu Pereira, era uma espécie de gincana entre municípios. As prefeituras faziam inscrições e havia um sorteio para saber qual cidade disputaria contra qual. Era sempre aos sábados à tarde e a cidade vencedora seguia para a disputa contra o município vencedor do programa da outra semana.

Apesar da bobagem que era a tal gincana televisiva (assim como é boba toda gincana, diga-se), o programa dava visibilidade aos municípios. Era uma maneira interessante de mostrar a cidade para o estado inteiro, principalmente aquelas que tinham alguma vocação turística.

Era início do ano e saiu a notícia de que Formiga iria disputar o “Mineiros frente a frete” contra Itabira, cidade do Quadrilátero Ferrífero. Foi uma grande mobilização, teve reunião de professores de diversas escolas, de políticos novos e antigos e de pessoas que todo mundo julgava inteligente. Era para montar um time espetacular, o apresentador formiguense seria o locutor Landico da “Rádio Difusora”.

Com a carteira de motorista novinha em folha, Cecília conseguiu a permissão de papai para irmos de carro a Belo Horizonte participar do programa ao vivo. Sábado bem cedo, saímos de Formiga eu, Cecília e Toninho, nosso irmão mais novo. Além de um ônibus da Viação São José do Seu Nicodemos, uns seis ou sete carros fizeram comboio. A viagem foi uma festa. Pelo que me lembro, o programa começava às 14 horas mas antes das 10 já estávamos em frente ao teatro entoando “Oh, Formiga, a quem tenho tanto amor…” para implicar os itabiranos que se posicionaram do outro lado da rua.

Uma delícia, Formiga e Itabira disputaram ponto a ponto até o final e nós, que tínhamos acabado de sair da adolescência, pulávamos que nem pipoca. Muito experiente, Dirceu Pereira dirigiu o programa não deixando que houvesse animosidades, só uma rivalidade saudável.

Dentre as tarefas, uma era cada cidade entregar um envelope fechado com um cheque que seria uma doação ao asilo de idosos do outro município. Caso houvesse empate, o cheque de maior valor indicaria a vitória. E não deu outra, empate. Abriram-se os envelopes e Itabira deu uma lavada em Formiga, uma vergonha. O então prefeito Arnaldo Barbosa mandou a chefe da Fazenda, Dona Elza Dinorah, fazer um cheque bem pequeno e tivemos de voltar com a tristeza inversamente proporcional à festa da ida.

Chegamos depois da meia-noite e quando descemos a Chapada, vimos que várias pessoas esperavam nas janelas para aplaudir a delegação. Não entendemos nada, era para todo mundo estar com a cabeça baixa como nós estávamos.

Seguimos para casa e lá mamãe explicou que a “TV Itacolomi” tirou o programa do ar lá pelas 18 horas quando Formiga estava na frente. Era o horário da novela “Camomila e Bem-me-quer”,   que tinha preferência na programação. Como naquele tempo não havia celular, muita gente só ficou sabendo da derrota quando chegamos.

O que restou de positivo do “Mineiros frente a frente” foi que o Asilo São Francisco de Assis passou dois meses na fartura.