Opinião: Impedidos de vender imóvel doado, mesmo passando dificuldades
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

O casal me conta que, há cerca de trinta anos, recebeu como doação um sítio, do qual usufruiu por longo tempo. O lugar era usado, predominantemente, para criação de gado, mas também foi, durante muito tempo, o destino dos filhos e de outros parentes, que para lá se dirigiam em busca de momentos de lazer e descontração.
A doação aos dois foi feita por um tio que não se casara nem tivera filhos. Este lhes dissera que faria a doação, inserindo gravames de inalienabilidade e impenhorabilidade do imóvel. À época, o oficial do cartório explicou-lhes que isso significava que não poderiam vender ou doar o sítio para ninguém, assim como o imóvel não poderia ser penhorado para quitar alguma dívida que os dois viessem a ter.
Estavam se sentindo tão afortunados com a doação que o fato de o tio registrar esses impedimentos nos documentos do imóvel não os incomodou. Não tinham mesmo intenção de vender esse bem, que tentariam preservar da melhor maneira, em honra ao generoso tio. Assim foi durante pelo menos vinte e cinco anos, mesmo após a morte dele.
Porém, agora, já idosos e enfrentando dificuldades para administrar o sítio, o bem passou a dar-lhes despesas com as quais não estão conseguindo arcar. Além disso, a região rural onde se localiza o imóvel tem sido alvo de furtos e roubos. Já perderam mais de vinte cabeças de gado, levadas embora durante a madrugada. Não têm mais condição de manter um caseiro no lugar, o que tem facilitado a ação de malfeitores.
Por causa disso, resolveram colocar o sítio à venda. O primeiro interessado em adquiri-lo quis ver a documentação do imóvel e deparou com as restrições. Imediatamente alertou-os de que não poderiam vendê-lo. Foi aí que os dois se lembraram dos tais gravames de inalienabilidade e impenhorabilidade.
Mas estavam mesmo obrigados a manter o sítio para o resto da toda a vida? Seriam obrigados a mantê-lo, mesmo não tendo condições financeiras para isso, mesmo ele só lhes dando prejuízo? Que sentido havia nisso? Essas são algumas das perguntas que eles me fazem. “Não é possível que não haja alguma saída para esse nosso caso.” – ela me diz, irresignada com a determinação legal que lhes impõe esse encargo.
Explico aos dois que a intenção do tio doador foi a melhor possível. Quis assegurar que aquele patrimônio estivesse sempre na posse do casal. Certamente queria que os dois usufruíssem do imóvel e que, por um motivo ou outro, não fossem obrigado a vendê-lo ou repassá-lo a alguém Provavelmente, queria que nunca lhes faltasse um teto ou um lugar onde pudessem ter seus momentos de lazer.
Ele me diz que devem ter sido mesmo essas as razões dele, mas salienta que o mundo mudou, que a segurança no meio rural já não é mais a mesma, que os dois são idosos agora e não têm mais condição de cuidar do sítio. Sobretudo, salienta que as despesas com o sítio têm reduzido sua condição de terem mais qualidade de vida na velhice, pois não lhes dá nenhum retorno financeiro; ao contrário, só lhes traz gastos. Se pudessem vendê-lo, teriam algumas economias guardadas para cuidarem de si mesmos. Deixa claro que não estão querendo vendê-lo para repassar o dinheiro aos filhos, mas, sim, para o próprio bem-estar.
Digo a eles que, caso queiram, poderemos ajuizar uma ação, requerendo ao Juízo o levantamento (retirada) dos gravames. Demonstraremos que não estão pretendendo esbanjar ou dilapidar o patrimônio; que a venda não coloca em risco seus bens como um todo; ao contrário, busca livrá-los de gastos com a manutenção do imóvel; que estão tendo prejuízo financeiro; que os benefícios que ele traz são menores que as despesas exigidas para sua manutenção; que ele não cumpre a função de lhes proporcionar bem-estar; que o mantiveram por longos anos, mesmo falecido o doador. Lembraremos que, se o casal falecer, o imóvel estará livre para venda pelos herdeiros, portanto, não faz sentido manter os gravames, prejudicando quem recebeu diretamente a doação.
Esses argumentos serão usados com o objetivo de demonstrar ao Juízo que não haverá prejuízos se forem cancelados os gravames, concedendo ao casal o direito de vender o sítio. A venda possibilitará aos dois melhor proveito do patrimônio e lhes propiciará, com o valor obtido, viver com mais dignidade. Não atender a esse pedido deles, considerados todos os fatos relatados, viola seus interesses e direitos.
Eles entendem perfeitamente o que lhes explico e me autorizam a propor a ação judicial. Assim faremos.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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