Opinião: Memórias
Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga/MG)

Acredito que o que falarei a seguir vale para muitos pais. Quando são as filhas que nascem primeiro, a maneira com que interagem com a gente é muito mais calma do que quando são meninos. Há exceções, claro. No meu caso, o meu filho veio por último. Que diferença, eu acostumado com o sossego da minha filha e veio esse pestinha! Cuidado redobrado, claro. Quando ele mal engatinhava, já saia com tudo para a casa de minha vizinha, segunda mãe dele, daí não poderíamos vacilar em deixar o portão aberto. Quando eu parava o carro, tinha que tomar cuidado para ele não sair para a rua entre o banco e a porta, e por aí vai. O baixinho sempre foi um corisco.
A vigilância constante sempre foi a melhor maneira de se evitar acidentes com crianças, ainda que muita coisa fugisse do nosso controle. Pensando assim, cerquei a cobertura lá de casa com grade e sempre deixei objetos contundentes e afins longe do alcance, mas ainda assim não consegui escapar de um acidente que poderia ter sido muito grave. Meu filho tinha 1 ano e 5 meses quando, num sábado, fui pegar umas coisas numa casinha no meu quintal. O baixinho ficou brincando perto de uma daquelas piscininhas de fibra de vidro, sem estar cheia por completo. Ouvi ruídos de algo batendo na piscina e, depois de mandar ele parar de bater com uma suposta vassoura nela, fui averiguar e vi que ele havia caído dentro dela. Ele estava deitado de costas no fundo, tentando se levantar. Nunca vou me esquecer do brilho do azul dos olhos dele sob a água transparente. Escondendo meu pavor, tomei-o nos braços e aferi sua respiração. Tirei dele a fralda molhada e o acalmei, abraçado a ele. Confesso que nunca me perdoei por isso e prefiro pensar que ele, em sua agilidade felina desde muito pequeno, iria se levantar dali.
Já ouvi casos e casos de desastres parecidos que acabaram em mortes. Baldes com água, piscinas, quedas de lajes, cachorros assassinos, atropelamentos, armas, choques, bóias de brinquedo, envenenamentos, entre outros. No meu pequeno vislumbre do terror de uma vida de culpa, tive a minha segunda chance e só posso atribuir a Deus. Se tivesse negligenciado minha atenção mais um pouco, poderia ter acontecido o pior, e se o pior tivesse acontecido, minhas noites seriam pesadelos sem fim e minhas manhãs seriam um despertar cinza e doloroso. Todo o azul que eu visse lembraria o azul dos olhos do meu filho, como um aguilhão a me castigar pelo resto da vida. Quando me desespero pensando assim, como agora escrevendo este artigo, volto à realidade e me alegro novamente. Hoje ele já não é o último filho, pois veio outro tão espevitado quanto ele foi. Agradeço ao leitor por eu poder dividir esta lamentável experiência com final feliz. Espero também ter ajudado os mais incautos a abrir os olhos para os perigos inocentes que rodeiam as crianças, evitando assim mais tragédias. Que sentido possui a vida, se não for pelo bem dos nossos filhos? Que somos nós, pais, se não tutores para ensinar e proteger?