Opinião: MOINHOS

AC de Paula (de São Paulo/SP)

Opinião: MOINHOS
AC de Paula é dramaturgo, poeta e compositor




Hoje eu preciso de um poema para escrever uma canção que fale da dor que me invade, da tristeza, da saudade, e talvez da solidão, preciso encontrar a rima certa eu  queria ser poeta pra saber falar de amor, de paixão em noite enluarada violão na madrugada e da voz de um cantador, se no céu existe tanta estrela  uma delas vai ser tema da canção que ainda não fiz, hoje eu tiro o nó da garganta  a minha vontade é tanta vou cantar e ser feliz! Mil devaneios, quimeras, ilusões, fantasias, e nas minhas artérias, sangue, sonho, e poesia, assim como outros tantos, sonhadores poetas, rogo a todos os santos, "dai-me as rimas corretas!" que meus versos ecoem, pelo ar, pela rua, que as pessoas perdoem a paixão nua e crua, que as trombetas ressoem a verdade mais pura, e que os anjos revoem, prateados de lua, violões, violinos, cavaquinhos e banjos, e ao dobrarem os sinos, revoada de anjos!

Eu sei que sou um cara de sorte não tenho medo da morte essa vida é um grande teste, meu verso é uma faca de corte, eu não venho lá do norte mas meu canto é agreste, eu canto a saga do nordestino feito pássaro sem ninho, solitário em uma ilha, cercada por águas de desencanto que rolaram do seu pranto concreto sul maravilha, perdido pelos becos e esquinas, seu caminho ele caminha, sorte destino, ou sina, no peito traz amores reprimidos, na legião dos desvalidos desamor vira rotina, e quando no auge do desespero diz pro cara no espelho; “a sorte lhe foi madrasta”, e triste longe vai sua lembrança, só lhe resta a esperança rota, esfarrapada, e gasta! Atire a primeira estrela aquele que não sonhou em ser herói algum dia, e não quis saber o que havia além do arco-íris, além do horizonte, ou lá embaixo da ponte por onde a água passou, ou embarcar na viagem de um disco voador!

Atire a primeira estrela aquele que não chorou de alegria ou de tristeza, e nadou contra a correnteza nas águas do desamor, que não sangrou de saudade, não falseou a verdade dizendo que o amor não dói, mas no auge da paixão já chegou à conclusão que o desencanto corrói! Atire a primeira estrela quem nas quebradas da vida não cutucou a ferida teimando em relembrar, dores de amores passados, gosto de beijos molhados, doces, secretos, sagrados, roubados à luz do luar! Eu louvo o luar de prata a preta de cabelo pixaim o branco sorriso da mulata, pandeiro, surdo, e tamborim,  pouco importa a sua tribo, a sua crença, a sua seita, se você não vê motivo pra encarar, não se aceita! Não importa a sua goma lá na quebrada sem CEP, ou se o diabo fez a forma, se vai dar praia ou crepe, não importa a sua revolta se alguém te olha torto, é bumerangue, tem volta, todo mar tem o seu porto, tem que gostar, acredite, do seu cabelo pixaim, do preconceito, o apetite, há de um dia ter fim, acredite se quiser, me disse um anjo de luz, que o Homem de Nazaré é preto de olhos azuis!

Tanta gente misturada feito estouro de boiada  se empurrando nas escadas da estação do metrô, fazendo parte da trama da novela do destino tropeçando em desatinos, medo, paixão, desamor! Esperando o mundo novo inventando a alegria, vai vivendo a fantasia enfeitada de esperança vai mostrando no sorriso os dentes da engrenagem, peito cheio de coragem rodopiando na dança! Presa nos fios da teia de aranha do sistema, nessa vida passageira, navega em busca de um cais, esse meu valente povo querendo virar o jogo, vai forjando à ferro e fogo os seus sonhos tropicais!

Nada existe de eterno até mesmo o amor materno por vezes, todo se esvai, ferida não se cutuca, a realidade machuca, a fruta madura cai, levei porradas e tombos, no porão dos meus escombros o meu tudo é quase nada, vou sangrar minha poesia na sagrada confraria dos poetas da calçada, de que lhe serve a poesia? perguntou-me um belo dia, o meu fantasma camarada, “ pra enfrentar meu amigo as lâminas do perigo, e morrer de alma lavada!"

Ando meio desorientado e  sigo ao sabor do vento, sem rumo, ou discernimento, sob o sol da meia noite e o luar do meio dia, conto pedras, chuto estrelas, e até as latas se encontram, ilusões nos desapontam, e afugentam a alegria! De amor e desencanto, a lição eu sei de cor, o encontro dos ponteiros do meu relógio de sol, marca a hora do espanto das pessoas ao redor!   Paralelas não se encontram e o tempo não volta atrás nem transforma a água em vinho, amores não se comparam, e as lágrimas que rolaram, jamais moverão moinhos! acdepaula09@gmail.com.br