Opinião: Naveguei por mares hackeados

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos-MG)

Opinião: Naveguei por mares hackeados
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado luizgfnegrinho@gmail.com




Incidentes envolvendo conhecidos em golpes na internet me chateiam. E muito. Desta vez, a bola da vez fui eu – o próprio.

Mergulhado no trabalho, sem tempo para almoço, quem conhece sabe disso – sustentado apenas por água, fruta e os tradicionais biscoitinhos da Assunta, quando o celular toca. Na tela, um senhor simpático, de voz pausada, pergunta se me filio às plataformas ou grupos de mototáxis e Ubers de Formiga. E mais: se aprovo, acho válido o desempenho, se concordo etc.

 Sem tempo para ponderar possíveis ciladas ao nível de crime cibernético, soltei um “sim” automático. E, para não parecer indiferente, arrematei com uma nota ‘oito’ o desempenho. A princípio, achei que tinha encerrado ali. Minto. Não encerrou. Foi aí que a coisa desandou.

 Uma hecatombe digital se abateu sobre mim. Hackearam meu número, me fizeram de gato-sapato. Como? Sei lá. A partir daí, começaram a agir. Pediram dinheiro em meu nome, ofereceram aparelhos eletrônicos com logomarca e tudo. Televisores, ares-condicionados, geladeiras, gatos, cachorros, periquitos, papagaios… Literalmente, entrei numa fria.

A ousadia atingiu níveis insuportáveis e absurdos. Até minha esposa quase caiu no golpe. Quase. Mas não caiu. Salvou-se por dois motivos relevantes: primeiro, porque não põe fé no pagamento instantâneo do Pix, não faz uso desse instrumento; segundo, porque os golpistas assassinaram o português com crueldade.

– “Pode mim mandar...”

Ora, ao ler essa pérola, soube na hora: “Esse aí não é meu marido. Chato que dói com as normas da Língua Pátria...”.

 E foi assim que naveguei por mares nunca dantes navegados, desacompanhado de Luís Vaz de Camões e muito menos de Fernando Pessoa e seus famosos heterônimos.

Vi o mundo de outras formas, da pior maneira possível. Eu, pedindo dinheiro por aí? Difícil de engolir. Não me lembro de ter sentado diante de gerente de banco para esse fim. Detestável.

 No que vai dar? Não sei. Mas fique a lição: antes de responder a qualquer pergunta aleatória no celular ou em coisa assemelhada, pense maduramente. Desconfie. Desligue.

 Em resumo – confirmando – tudo começou de forma inusitada, num dia de trabalho comum. O celular toca. Do outro lado da linha um senhor simpático, trajando terno e gravata. Apresentou-se com um sorriso amável e cativante e uma pergunta aparentemente inofensiva sobre as plataformas de mototaxistas e Ubers, em Formiga.

Se a prudência falasse mais alto, talvez tivesse optado pelo “tanto faz”. E a vida seguiria mansa, pacífica, com direito aos afagos da harmonia de um esplendoroso dia. Mas não foi bem assim. 

Como diria Eça de Queiroz, “ledo e quedo engano”. Afinal, os tempos mudam, hoje existem os crimes cibernéticos, a astúcia dos espertalhões sempre encontra novos caminhos. Se no século XIX Eça ironizava a modernização apressada de Portugal, hoje, talvez ele zombasse da nossa confiança cega na tecnologia, que veio para facilitar a vida, mas também sofisticou os velhos golpes. Se antes um falsário precisava de tinta e papel para enganar incautos, hoje basta um clique bem-dado.  Noutro viés, Eça, com seu olhar mordaz, talvez achasse graça ao ver que a confiança cega trocou de cenário, mas não de essência.

Dito pelo não dito e acontecido, espero que esta crônica sirva para alertar desavisados. Se eu caí, qualquer um pode cair. O segredo é levantar com classe, sacudir a poeira digital e seguir em frente, sorrindo, ainda que os nervos à flor da pele incomodem.