Opinião: No colo da vida

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)

Opinião: No colo da vida
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado luizgfnegrinho@gmail.com




‘A verdadeira pátria do homem é a infância.’ 

Rainer Maria Rilke

Há dias em que a vida pesa mais do que os ombros suportam, e o tempo se arrasta como um rio cansado. O silêncio se adensa, as sombras se alongam, e dentro de nós cresce um cansaço sem nome — uma exaustão que não se explica. O corpo se curva, a alma se desencontra, e os olhos, inquietos, buscam um descanso que nunca chega. Nesses momentos, as palavras se esvaziam, as promessas se dissipam no vento. O que nos salva, o que verdadeiramente nos sustenta, é o colo.

 O colo é abrigo sem janelas, onde a tempestade se rende e o medo se dissolve. É território sagrado, onde o pranto se desfaz no calor de braços que protegem. Tem cheiro de mãe, de casa, de lençol aquecido pelo sol. Tem o peso exato do afeto, a maciez precisa do alívio. É porto silencioso, que não exige palavras nem explicações. Nele, somos pequenos sem culpa, frágeis sem constrangimento, inteiros sem esforço.

 Mas a infância parte sem aviso, e a vida, com sua pressa implacável, nos ensina a erguer muralhas, a endurecer os gestos, a sufocar fragilidades. Sobre o amparo que nos sustenta em todas as idades, aprendemos tarde que o colo não tem tempo nem fronteiras – ele se transforma, mas jamais nos abandona. Ensina-nos a caminhar sem hesitação, a engolir silêncios, a fingir que não precisamos de amparo. E assim, pouco a pouco, desaprendemos o caminho do colo. Como se fosse um privilégio dos pequenos, um luxo que a idade não mais permite.

 Ledo engano. O colo não tem idade. Ele se transforma, mas jamais nos abandona. Às vezes, se esconde no olhar de quem nos lê por dentro, sem precisar de palavras. Outras vezes, se revela no abraço que nos sustenta quando já não conseguimos sustentar a nós mesmos. Está na casa que nos acolhe depois de um dia exaustivo, na presença silenciosa de quem se senta ao nosso lado apenas para dizer, sem dizer: “Estou aqui”. Há colo na mão que segura a nossa em meio ao vendaval, na prece sussurrada por aqueles que nos amam sem condições.

 E a vida, em sua sabedoria incontestável, nos ensina que tão essencial quanto encontrar um colo é saber oferecê-lo. Quando o temos, que saibamos nos aninhar sem pressa, sem culpa. E quando alguém ao nosso redor precisar, que tenhamos os braços abertos. Porque dar colo é, de alguma forma, recebê-lo de volta.

 No fim, somos todos crianças disfarçadas de adultos, caminhando com passos inseguros por estradas incertas, carregando medos antigos no peito. E a dádiva maior da vida é que, por mais áspera que seja a travessia, sempre haverá um colo à nossa espera. Basta que saibamos reconhecê-lo — e tenhamos a coragem de aceitar seu abrigo.

Porque, apesar do tempo e das máscaras que vestimos, somos frágeis e dependentes. Precisamos de colo tanto quanto precisamos de ar. E, no fundo, no fundo, somos eternas crianças do Supremo Criador — carentes de aconchego e cuidado, passe o tempo que passar.

 “A infância é o chão sobre o qual caminharemos para sempre.”

— Lya Luft

 E, no embalo da memória, ainda sinto o calor do colo de minha mãe Julieta – onde a saudade se aninha e repousa, doce e funda, como uma brisa que nunca se dissipa. E, mesmo ausente, sua presença ainda me envolve, como se, em algum lugar além do tempo, seu colo continuasse à minha espera.