Opinião: No divórcio, ela quer a partilha da casa que só ele construiu
Maria Lucia Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Ele se casou sob o regime da comunhão parcial de bens. Dois anos depois do casamento, ele e a esposa compraram juntos um terreno para nele, futuramente, construírem sua casa. Para a aquisição, tiveram de fazer um financiamento, cujas prestações foram pagas por ele apenas.
Três anos após a compra, já quitado o terreno, eles se separaram. Foi ela quem decidiu separar-se e deixar o apartamento alugado em que viviam. Foi um choque para ele. O desconsolo gerado pela separação o fez dedicar-se ao trabalho e à realização de atividades extras. Para não cair em depressão, estabeleceu um objetivo: construir sua casa própria no terreno adquirido. Logo iniciou a obra, e, em menos de um ano, conseguiu terminá-la. Já está morando na nova casa há três meses.
Nesta semana, foi surpreendido por uma intimação judicial. A ex-esposa entrou com pedido de divórcio e está requerendo uma partilha que a contemple com 50% do terreno em que foi construída a casa, bem como com 50% da casa. Além disso, está requerendo que lhe sejam pagos três meses de aluguel devido ao fato de a casa estar sendo usada exclusivamente como moradia dele.
Ele se opõe veementemente ao que ela está reivindicando. Gesticula diante de mim, dando ênfase ao que fala. Que mulher é essa que ele está descobrindo agora? Separa-se dele, deixa o lar e ainda quer ter direito ao que não é dela? Como pode querer 50% do lote e da casa, se não contribuiu nada com a aquisição e com a construção? Como pode exigir que pague aluguel da casa que ele construiu apenas com os frutos do trabalho dele? Seus questionamentos são feitos de forma atropelada, expressão da reviravolta de emoções que o tomam, principalmente a raiva.
Tenho de ser franca com ele. Se se casou sob o regime da comunhão parcial de bens, tudo quanto tiver adquirido após o casamento, mesmo que tenha sido com recursos financeiros apenas dele, terá de ser partilhado meio a meio. Portanto, 50% do terreno, ou seja, o valor correspondente a esses 50% pertencem à ex-esposa dele. Não seria partilhado se ele tivesse recebido o terreno, por exemplo, como herança ou doação.
Pergunto se tem como provar que já estavam separados de fato quando iniciou e terminou a casa. Ele confirma que sim. Então, digo-lhe que é possível contestar o pedido dela quanto a ser partilhada a casa, assim como o pedido de pagamento de aluguel. Se ele conseguir juntar provas de que já estavam separados quando a casa foi construída e que quem arcou com a construção foi ele apenas, ela não conseguirá êxito quanto a esses pedidos. Não houve um esforço mútuo para a construção. Portanto, ele não tem de pagar aluguel pelo uso exclusivo de um imóvel que não faz parte do patrimônio comum do casal.
Vejo que se acalma um pouco ao ouvir isso, mas logo volta a ativar o modo raivoso. “Como pode ela ter direito a 50% do terreno se não quitou uma prestação sequer do financiamento? Posso provar que somente eu paguei por ele. Tenho os recibos das transferências bancárias feitas para quitá-lo.”
Digo-lhe que, legalmente, não importam tais recibos para o seu caso. Quando o casamento se dá sob o regime da comunhão parcial de bens, presume-se que tenha havido uma colaboração mútua do casal, um esforço comum aos dois para a aquisição do patrimônio.
“Presume-se... o que é isso?” – ele pergunta. Respondo que presumir é pressupor, é tirar uma conclusão antecipada, sem precisar analisar os fatos e comprová-los. A ex-esposa dele não precisará apresentar nenhuma prova de que contribuiu individualmente para a aquisição do imóvel. Parte-se do princípio de que a contribuição não é somente financeira; pode ser também de natureza psicológica ou moral. O que ocorre costumeiramente é um cônjuge apoiar o outro na aquisição do patrimônio, e esse apoio não se dá apenas por uma contribuição em dinheiro. Vem daí a presunção.
Explico-lhe que será preciso levantar o valor do terreno para se determinar a quantia que será repassada a ela na partilha. Levantado o valor, a metade deste deverá ser repassada a ela. Ou seja, ele precisará preparar-se para ter em mão essa quantia, caso ela não aceite negociar prazo para o pagamento. Quitado o valor definido na partilha, o terreno passará a ser integralmente dele.
Percebo-o remoendo o inconformismo. Seria bom se ele se desse conta de que a mesma lei que o deixa inconformado o protege. Ela resguarda para ele, desde que apresentadas as devidas provas, o direito exclusivo à casa construída apenas com seus recursos após a separação, mesmo estando ela localizada no terreno que pertence a ele e à ex-esposa, impedindo, portanto, que tenha de pagar aluguel pelos meses nos quais a vem usando como moradia exclusiva. Nem tudo está perdido.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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