Opinião: No domingo, a Banda!
Ana Pamplona (de Formiga)

A Menina já estava do lado de fora da casa e olhava atentamente para o céu. Tentava contar as estrelas maiores sem apontar o dedo para elas. Este detalhe era importante, para evitar as verrugas, costumavam dizer os mais velhos. Cabeça para o alto, olhos atentos, mãos para trás... “Vinte, vinte e uma, vinte e...”
— Vamos, filha, rápido, senão perderemos o início da apresentação da Banda! — disse o Pai puxando com força a mão dela
Saíram apressadamente e logo atingiram a Praça Ferreira Pires. O outono ainda não havia chegado e a adorável cidade de Formiga exalava os restos do verão.
Não era um domingo como tantos outros. Era um domingo com o passeio na Praça. E... em companhia do Pai. Emblemático. Era o máximo da alegria e do prazer que uma criança de cinco anos poderia almejar. Aqueles, sim, eram os melhores domingos. Eram diferenciados, porque a Banda tocava. E para a Menina, ver e ouvir a Corporação Muzical São Vicente Férrer tocar, ao lado de seu Pai era um ritual de amor e segurança.
A Banda apresentava-se no coreto. A plateia, amontoada no entorno aguardava ansiosa o início do espetáculo. A Menina, sempre agarrada ao Pai. Ela tinha medo de se perder dele, então apertava firme sua blusa com uma das mãos. O Pai, sempre lhe segurando a mão pequenina. Ele tinha medo de perder a filha.
A coisa mais linda para ela, era quando os músicos começavam a afinar seus instrumentos. O Maestro assoprava um “láááááááá” e eles iam buscando, um a um, a ressonância com o tom. O coração da Menina disparava, o sorriso brotava espontaneamente. O Pai lhe cutucava, como a dizer: “vai começar”.
E começava! Começava quase sempre com um dobrado: “Dois Corações”. Não havia ninguém que não acompanhasse o ritmo com o corpo. Era viciante..
O brilho dos instrumentos de metal juntava-se aos dos botões dos uniformes dos músicos, ofuscando os olhos da Menina. No início, costumava ficar um pouco hipnotizada com os gestos do Maestro. Depois, ela observava músico por músico. Admirava-se com a agilidade dos dedos, a sincronia, a concentração daqueles artistas. Tentava ouvir os sons de cada instrumento. Eram todos lindos, mas havia um, em especial, cujo som amadeirado e aveludado, lhe chamava a atenção. Era negro e opaco, não brilhava como os outros, mas, suas chavinhas, sim. Eram como as estrelas que ela gostava de contar. Naquela noite, apontou para o instrumento e perguntou ao Pai:
— Como se chama aquele instrumento?
— Chama-se clarinete! — respondeu ele. É o instrumento que seu avô tocava! Você gosta dele?
— Sim, gosto muito! — ela respondeu gritando, por causa da música — Posso tocar um desses?
— Agora não seria possível, mas, um dia, sim. Quando crescer, poderá tocar o clarinete. Você tocará muitos Minuetos! — disse-lhe sorrindo.
Ela aproveitou e perguntou os nomes dos outros instrumentos e ele ia apontando e respondendo pacientemente: o trombone, o bombardino, o saxofone, o pistom, a trompa, a tuba... Ao ver a tuba, ela sempre se escondia no meio das pernas do Pai. Ai, meu Deus, pensava a Menina, que medo de cair lá dentro! O Pai sempre notava aquela reação dela. Apertava-lhe a mãozinha como a passar tranquilidade. Ela, então, sorria. Perto dele, do Pai, a tuba não era tão ameaçadora... e além do mais, agora, o que importava era comer pipoca!
A Menina comia pipoca, ouvia a Banda e sentia a presença do Pai. Era o suficiente para ter toda a certeza do mundo de que a vida era boa; até sentir um pingo de chuva na testa. O toque gelado da chuva aumentou até que a água desceu torrencialmente do céu, calando o espetáculo e tampando a estrelas amadas. De mãos dadas, os dois correram para casa tentando driblar as poças d’água nas calçadas.
E foi assim que, naquela noite, agora sem estrelas, terminava mais um domingo entre pai e filha. Um domingo colorido pelas notas mágicas daquela Banda inesquecível, gravado nos anais do tempo, através da memória que somente o amor sabe produzir. Resta saber se a profecia do Pai se concretizou...
Ana Pamplona é membro do Coletivo Poesia de Rua