Opinião: O banguê
Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte/MG)

Uma das características mais interessantes que Formiga tem é seu comércio ambulante e de calçada. Isso existe desde sempre.
No fim do ano, vi na cidade um sem número de carrocinhas de sanduiches nas imediações da Rodoviária e churrasquinhos sendo assados em várias esquinas. E o melhor, deliciosos.
Quando criança, me lembro de uns meninos vendendo picolés (ôôô, Skimóó) e outros vendendo doces de leite (olha o doceee, tem do branco, tem do preto). Tinha o Chico Padeiro que levava um enorme balaio de vime em uma bicicleta (sinto até hoje o cheiro das broas de fubá) e o Seu Nino, que vendia pequenos peixes, tipo piabinhas, que pescava no Rio Formiga. Em grandes balaios de bambu em cima de carrinhos de mão, vinham hortaliças frescas e ovos caipiras. São memórias que me emocionam até hoje.
Uma das pessoas que meu pai, Seu Coló, mais gostava era o inteligente e divertido Seu Licurgo do Cartório. Ele era alto, um pouco calvo e usava óculos preto, morava no inicinho da Silviano Brandão, ao lado da Farmácia do Otaviano.
Toda vez que meu pai ia para casa para almoçar, a gente morava atrás do Cemitério do Rosário, ele dava uma paradinha pra conversar com Seu Licurgo, que estava sempre no alpendre em uma cadeira de ferro com braços, encosto e assento de mangueirinhas de borracha vermelhas (não sei porque me lembro disso).
Era uma sexta-feira e meu pai e Seu Licurgo falavam das coisas da cidade, quando aparece um senhor mais velho com um banguê de frangos. Banguê era uma padiola, um pedaço de pau tipo um cabo de enxada que a pessoa dependurava frangos, galos e galinhas que vinham com os pés amarrados com palhas secas. Eram três numa ponta e três na outra, o meio servia para colocar nos ombros.
De chapéu atolado e botina gomeira, o senhor vinha de Padre Trindade para vender cinco galinhas e um frango. O preço era igual e os exemplares nunca eram pesados, o interessado pegava um em uma mão e um na outra e ficava com o que julgasse mais sacudido (que era como se dizia “gordo”).
Licurgo foi logo pegando o frango, deixando as galinhas para meu pai, que deu o grito. Em Formiga, o frango sempre teve o valor culinário maior que a galinha.
Depois de negociações, ficou acertado que meu pai ficaria com o macho e Seu Licurgo escolheria uma das galinhas. Para convencer seu amigo, meu pai se comprometeu em levar para ele um franguinho miúdo que tinha na horta para ele acabar de criar. Promessa que Seu Coló nunca cumpriu.
Cresci ouvindo do oficial do Cartório que ele não era rico por culpa do meu pai. Ele me dizia que se tivesse ganhado o franguinho, ele teria comprado umas galinhas que teriam se reproduzido e ele poderia ter se tornado dono da maior granja da região.
Acho que são por essas histórias que Formiga nunca me sai da cabeça.