Opinião: O filho quer que a mãe, viúva, venda a casa onde ela mora há anos

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: O filho quer que a mãe, viúva, venda a casa onde ela mora há anos
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




É uma senhora de cerca de setenta anos. Procurou-me porque uma amiga lhe havia falado sobre mim. Observo-a e percebo sua fisionomia cansada, seu olhar triste. Peço que me conte o que a traz a mim.

Ela me relata que seu filho mais velho ajuizou uma ação contra ela e os irmãos dele. Desde que o pai dele falecera – e isso já faz dez anos –, ele nunca perdeu a oportunidade de cobrar o direito que tinha sobre a casa onde ela mora, único bem deixado pelo falecido. Várias vezes, ele quis colocar o imóvel à venda, mas ela se negou, alertando-o para o fato de que o valor que caberia a ela não lhe permitiria adquirir uma casa para onde se mudar.

Pergunto o que ele está alegando na ação judicial. Ela me diz que ele quer a venda do imóvel, de modo que cada um receba a parte que lhe cabe em dinheiro. Ela quer saber se ele tem esse direito.

Respondo que, se ele é coproprietário do imóvel, tem direito sobre ele sim, mas é preciso avaliar outros aspectos. Pergunto se ela é proprietária de algum outro imóvel residencial, e há quantos anos reside na casa. Ela me diz que não tem outro imóvel e que está na casa desde que o marido a adquiriu há mais de vinte anos.

Então, explico-lhe que, mesmo o filho sendo coproprietário da casa e tendo direitos sobre esse imóvel, há o direito real de habitação, que é dela, como viúva. Esse direito está assegurado em lei ao cônjuge sobrevivente, se o imóvel é o único destinado à residência da família.

Estão em jogo dois direitos: o direito de propriedade e o direito de habitação. Prevalecerá o direito de habitação porque a moradia tem status de direito social, e o princípio em que se fundamenta é o da dignidade humana. Entende-se que se deve garantir qualidade de vida ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.

Seria outro o desfecho, se fosse um filho do primeiro casamento do falecido a requerer a venda do imóvel, caso ele tivesse parte na casa. A venda do imóvel poderia ser autorizada, conforme o caso, mas com a reserva do direito real de habitação. O comprador adquiriria o imóvel, mas não poderia exercer o direito de moradia de imediato.

Essa informação, por não ser o seu caso, parece não interessá-la. Faz logo uma pergunta, voltando o foco para sua realidade. “Eu me casei pelo regime da separação total de bens. Mesmo assim, eu tenho esse direito?”. Sim, não importa o regime de bens adotado no casamento. Porém, é fundamental que o imóvel não seja utilizado para um fim que não seja o de residência da família. Não pode ser alugado, emprestado ou transformado em um local de comércio.

Ela me interrompe: “Ah... isso eu não faria nunca; minha casa guarda a lembrança de todos os anos felizes que passei ao lado de meu marido; foi nela que vi meus filhos crescerem.”

Ela quer saber o que precisará fazer para se defender.

Explico que teremos de contestar o pedido que o filho fez em Juízo. Argumentaremos que se trata do imóvel em que ela residia com o marido há anos, que ela tem direito real de habitação. Assim, mesmo o imóvel pertencendo também a outros herdeiros, é ela que tem a prioridade.

Os casos julgados têm mostrado que, mesmo que haja outros bens a inventariar ou que o cônjuge sobrevivente tenha bens em seu nome, pode prevalecer o direito de habitação, porque não se trata apenas de concretizar o direito à moradia, mas também de respeitar o vínculo afetivo com o imóvel. Foi esse afeto que ela revelou ter quando me disse que não venderia, alugaria ou transformaria em comércio a casa onde viveu com o marido. A casa guarda histórias de vida, tornou-se mais do que um imóvel, foi lar, palco de convivência.

Ela me confessa que está muito triste por perceber que o filho não considera importante esse vínculo afetivo com a casa onde cresceu. Está muito mais interessado em embolsar algum dinheiro do que em preservar o único teto que pode abrigá-la, principalmente agora que ela está envelhecendo. Nunca pensou que passaria por isso.

Ouço-a e penso nas muitas vezes que vi familiares vivenciando decepções quando se trata de inventários e partilha... Conhece-se de verdade uma pessoa quando se trata de destinação de bens. Já vi gente quase indo às vias de fato por causa de uma geladeira ou de um móvel usado. Já vi laços familiares se romperem por causa de partilhas malfeitas.

Ela se vai, e eu fico, sinceramente, torcendo para que ela não sucumba à decepção, porque, sem dúvida, dói, dói muito perceber que se vale menos do que qualquer punhado de dinheiro.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com