Opinião: Os maconheiros de Formiga

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte/MG)

Opinião: Os maconheiros de Formiga
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Quando criança, a gente não ouvia falar em maconha no “Repórter Esso” nem lia na “O Cruzeiro”, um era o mais assistido jornal falado da televisão brasileira e a outra, a revista de variedades mais vendida. Demais programas e veículos de comunicação que chegavam a Formiga também não tocavam no assunto. No “Fantástico”, chamado de “O show da vida”, que tomou as noites de domingo pela “TV Globo”, e no “Estado de Minas”, que se auto intitulava “O Grande jornal do mineiros”, nem breca da cannabis sativa.

Acho que foi no finalzinho dos anos 1960, boquinha dos 1970, que a maconha e seus maconheiros apareceram em Formiga. Lembro-me bem de que meu pai fez uma reunião de família. Em volta de uma mesinha no meio da sala, sentamos em um sofazinho de napa vermelha, mamãe, eu e meus irmãos Cecília e Toninho Maria, para ouvirmos o alerta de vida ou morte que ele tinha para nos dar.

Meu pai, seu Coló, contou que um delegado conhecido Carequinha estava pegando jovens cabeludos no Centro da cidade e raspando a cabeça deles sem o consentimento das famílias.  O homem da lei fazia isso na marra, sem o consentimento de ninguém.

Com medo de que nosso irmão, que tinha o cabelo cobrindo as orelhas, fosse mais uma vítima, papai alertou o tal delegado Carequinha que era amigo do juiz de Direito Doutor Valter Veado e que não iria aceitar que “ninguém colocasse a mão” na cabeça de Toninho.

Certo dia, com uma calma incomum, o delegado chamou meu pai para tomarem sombra debaixo de um pinheiro que existia na Praça Ferreira Píres e explicou o que estava acontecendo.

Carequinha, garantindo que sua violência contra a rapaziada em nada tinha a ver com revolta pela alcunha que carregava, narrou que o motivo de cortar os cabelos dos jovens era para que eles não se tornarem maconheiros. Cabelo comprido, segundo o delegado, era a porta de entrada para as drogas.

Não querendo demonstrar ignorância com relação ao que seria a tal “erva do capeta”, papai procurou informações e ouviu de um tenente do Exército chamado Oscar e que morava perto da Igreja Matriz, que maconha era uma droga que viciava pior do que a cachaça que estava sendo colocada em balas e pirulitos que estavam sendo distribuídos de graça na porta da Escola Normal. Os garotos e garotas chupavam as balas, ficavam loucos e violentos, matavam os pais e os traficantes os tinham como escravos pro resto da vida. Os produtores de maconha davam as balas de graça e depois que os jovens viciavam, passavam a cobrar.

Inteligente com relação a seu trabalho na Rede Ferroviária, mas ingênuo em questões de maconha e maconheiros, papai ficou apavorado, mandou Toninho cortar as madeixas e proibiu que eu e Cecília aceitássemos guloseimas de qualquer desconhecido.

Com o tempo, ouvia-se mais e mais sobre maconha em Formiga. Os delinquentes e violentos maconheiros da cidade começaram a aparecer impunemente e com seus cabelos enormes na entrada do Tropical, um movimentado bar na Praça Getúlio Vargas. Usavam calças coloridas e apertadas, com barras largas chamadas de boca de sino, e camisas tipo Hering apertadas que ficaram conhecidas como baby look. 

A gente vinha da aula e tinha de mudar de calçada. Lembro-me de vários “maconheiros violentos”. Tinha dois filhos de um fazendeirão, um filho de um dentista de gente rica, um de uma família de uma loja de sapatos e um parente próximo de um expedicionário da Segunda Grande Guerra. Também havia um que formou-se em medicina e mudou-se para uma cidade histórica, outro que passou no concurso do Banco do Brasil e um que virou grande empresário em São Paulo. Para desgosto do papai, Cecília namorou com dois.