Opinião: Os pais respondem por danos causados por filho menor
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Aos pais cabe a missão de educar os filhos. Nesse processo, há incumbências que podem tornar-se muito árduas e desgastantes; por exemplo, pactuar limites com filhos que, mesmo apenas adolescentes, julgam-se plenamente capazes de cuidar da própria vida. É compreensível a busca deles por identidade e autonomia, assim como há de se compreender que, com hormônios à toda no organismo, muitos sejam altamente ansiosos.
Por isso, a tarefa dos pais não é fácil. Constato isso mais uma vez, ouvindo-a falar do filho. Espelhando-se no pai, que sempre teve como hobby praticar motocross, arrumou logo um jeito de aprender a pilotar motos. O pai achou o máximo o filho, aos treze anos, já estar seguindo seus passos. Ela, como mãe, a quem geralmente cabe desempenhar o papel de exagerada em cuidados, alertou: era cedo demais; havia normas e lei a respeitar...
Os dois não deram importância a seus avisos. Coração de mãe pressente o perigo. Ela não estava enganada. O filho, aos dezesseis anos, já praticava rachas com dois outros colegas nas ruas do condomínio aonde iam passar os finais de semana. Em uma dessas ocasiões, acabou batendo de frente em outra moto. Era conduzida pelo jardineiro do condomínio, que voltava para casa ao final do dia. Ele acabou falecendo em decorrência da colisão.
A situação trágica e as suas consequências abalaram as duas famílias. O filho dela foi considerado culpado pelo acidente. Como era menor, seu caso foi julgado pelo Juiz da Infância e da Juventude. Foi-lhe aplicada medida socioeducativa, a qual está cumprindo rigorosamente há dois anos, da forma como foi determinada.
Ela me diz que, na semana anterior, ela e o marido foram surpreendidos com uma intimação judicial. Estão sendo processados pelos dois filhos do jardineiro falecido, os quais requerem uma indenização por dano moral. O valor pedido é de R$80 mil reais (40 mil para cada), quantia de que ela e o marido não dispõem. Está inconformada. Ela e o marido não foram condenados no processo relativo ao acidente. Não compreende por que foram citados, principalmente se, agora, o filho já tem mais de dezoito anos. A história já não foi resolvida? O filho já não está cumprindo o que a Justiça determinou?
Explico-lhe que está previsto em lei que os pais respondem pelos atos dos filhos menores que se acham sob sua autoridade e companhia. Não adiantaria nada ela e o marido alegarem, por exemplo, que sempre orientaram o filho, que sempre mantiveram vigilância sobre ele e que a desobediência foi dele. O filho estava sob a autoridade deles, portanto cabia a eles o dever de cuidar dele. Na medida em que houve a falha, e o filho era menor, respondem civilmente pelos atos dele.
O acidente com resultado morte ocorreu quando o filho ainda era menor. Porque assim era no momento da infração é que o marido e ela, como responsáveis por ele, estão sendo acionados judicialmente por dano moral. Não se considera a idade atual dele, mas, sim, a que tinha quando infringiu a lei.
Quanto à determinação da medida socioeducativa, ela é imposta na esfera de contravenções penais. Já o pedido de indenização por dano moral é feito na área cível. Geralmente se espera o Juízo se posicionar quanto à decisão de culpa em um acidente, essa decisão transitar em julgado (já não caberem mais recursos contra ela), para, depois, ingressar com o pedido de indenização por dano moral. A própria sentença já transitada em julgado de impor medida socioeducativa ao filho dela, reconhecendo que ele praticou um ato infracional análogo a homicídio, será usada como prova de que houve um ato ilícito que gerou danos a outros.
Ela me pergunta: “Mas por que indenizar por dano moral? Que dano moral foi causado?” Percebo que ela não tem noção da gravidade das repercussões do acidente na vida da família do falecido. Sugiro que imagine e inverta a situação: ela é uma das filhas do jardineiro. Perde o pai porque um menor entendeu que era plenamente capaz de pilotar uma moto em alta velocidade. Como se sentiria com essa perda? Seria um simples dissabor, ou lhe geraria sofrimento, angústia e aflição? Ela reconhece que sofreria demais.
Sigo, explicando que as consequências do acidente que vitimou o jardineiro podem ser entendidas, em Juízo, como algo que vai além de um mero aborrecimento. Pode-se entender que isso abalou emocionalmente os filhos e lhes trouxe sofrimento. Esse prejuízo emocional e psicológico pode configurar-se como dano moral. Sendo esse o entendimento, será acolhido o pedido de indenização.
Acrescento que a quantia requerida a título de indenização será analisada pelo Juízo, que avaliará se é razoável e proporcional, considerando o grau de culpa do ofensor, a extensão do dano causado e as condições sociais e econômicas das partes.
Ela encerra a conversa, desconsolada: “Eu avisei meu marido. Achou bonito o filho pilotar uma moto antes da idade permitida. Agora, pagamos todos por isso.” Meu pensamento é outro – uma vida se perdeu, e isso não se reverte.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
maluoliveiraadv201322@gmail.com
Membro da Academia Formiguense de Letras (AFL)