Opinião: Para quem tem arma em casa

Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga/MG)

Opinião: Para quem tem arma em casa
Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor e pesquisador do Unifor-MG Coordenador do laboratório de mineralogia e especialista em Solos e Meio-Ambiente email: anisiogeo@yahoo.com.br




Peço que não tomem esta narrativa como algo leviano ou sensacionalista. É uma história real que poderia acontecer com qualquer um. Foi justamente num final de semana que algo aterrorizante nos aconteceu. O ano foi 1998 e o mês foi junho ou julho, não me lembro bem. Estava muito frio no sítio de nossa família e minha filha estava dormindo, sonhando os sonhos típicos de seus 4 anos. Minha esposa estava na sala, assistindo TV e eu estava no quarto ao lado, cochilando. Era quase 1 da manhã quando minha esposa me chamou repentinamente, dizendo que alguém estava mexendo na maçaneta da porta da sala. Eu me levantei até rindo, porque tinha certeza de que ela havia sonhado aquilo. Enquanto ria sarcasticamente, percebi que a maçaneta girou por duas vezes. Engoli em seco e vi que realmente havia alguém do outro lado da porta. Perguntei por várias vezes, em alto e bom som, se era o nosso caseiro que estava ali. Nenhuma resposta! O barulho dos passos na varanda denunciou que o indivíduo seguiu para a outra porta, e novamente ele tentou abri-la...

Dada a gravidade da situação, orientei minha esposa para ficar junto de nossa filha e trancar a porta do quarto. Ameacei várias vezes o indivíduo que estava do lado de fora, dizendo que eu estava armado e que iria atirar. Alguns minutos de silêncio se passaram, e logo depois ouvi o ruído dos passos se afastando da casa. Logo depois, os latidos dos cães da casa do nosso caseiro denunciaram alguém passando por lá. Ciente de que quem quer que fosse já havia partido, entreabri uma janela e atirei contra um pequeno barranco em frente à casa, para que o safado do filho de uma ronca-e-fuça que andou por ali ouvisse o tiro e sumisse. Minha filhinha não acordou, para meu alívio!

Obviamente não dormi direito naquela noite e qualquer barulho fora da casa se tornou muito suspeito... e é aí que mora o perigo. Autocontrole e bom senso nessas horas são os maiores trunfos com que se pode contar. Muitos acidentes com armas acontecem por imperícia, imprudência, medo, ódio e por ignorância. Já soube de pais sonolentos que atiraram nos próprios filhos porque estes entraram de repente no quarto do casal, para pedir água ou coisa assim. Todas as estatísticas que envolvem armas são relacionadas com ódio, ferimentos e mortes. Nunca se fala sobre quando elas foram úteis. Pessoas sem relação e conhecimento para com elas ou mesmo políticos e autoridades cercados de seguranças armados podem muito bem falar sobre o absurdo de alguém possuir uma arma, mas só quem já passou por uma situação real de perigo sabe o que ela pode significar. Não estou querendo fomentar a aquisição de armas por parte das pessoas, pois elas já deixaram bem claro o que querem no referendo de 2005. Oxalá um dia as armas se transformem apenas em instrumentos de lazer em clubes de tiro!

No meu caso, a polícia estava longe dali e não poderia me ajudar. Minha obrigação como homem era a de proteger os meus. Não suportaria viver com a vergonha de não ter podido fazer nada, em caso invasão. A vantagem era minha, pois eu estava dentro de casa e tinha controle sobre as entradas da mesma. De qualquer forma e graças a Deus, tudo terminou bem, mas a lição ficou. Provavelmente quem tentou entrar ali foi um destes pobres andarilhos do asfalto ou alguém com problemas mentais, afinal, quem mais ignoraria as ameaças que fiz? A lição que fica é a que a calma é a base para um final feliz em qualquer que seja a contenda. No conflito, as emoções devem ser meras coadjuvantes da frieza, da lógica e do bom-senso. Isso não é fácil, depende muito da índole da pessoa. Pessoas que perdem a cabeça no esporte ou no trânsito devem pensar muito antes de empunhar uma arma! Se eu, por exemplo, tivesse disparado na porta, poderia ter ferido ou matado algum conhecido nessa atitude impulsiva, ou mesmo alguém que, movido pelo desespero, pudesse estar ali ferido, precisando da minha ajuda.

Sugiro a quem tem arma em casa que faça um curso de manuseio e segurança de tiro, que treine sempre, que não a deixe carregada e muito menos “escondida” das crianças, como se elas não fossem achar; pois foram elas que descobriram que o diabo tinha pés de pato (não foram?). Guardem a arma em local seguro, usem e abusem dos dispositivos de segurança presentes no mercado para impedir o acesso de crianças a elas. Com todas as precauções possíveis, pode até ser que ela seja útil um dia, mas jamais para ferir inocentes. Elas não atiram sozinhas! O perigo reside em quem a controla e toda a responsabilidade recai sobre ele. Sei que muita gente pode até achar que eu estou errado, mas falo com propriedade porque eu vivi uma situação simples e, ao mesmo tempo, aterradora. Na hora do aperto, duvido que exista alguém que não queira a oportunidade de defender os seus e a si próprio.