Opinião: Por causa de dívida trabalhista pode perder a casa onde mora
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Recebo-o e logo percebo que está muito tenso. Nervoso, cruza os dedos a todo momento e se agita na cadeira que acabou de ocupar. Ofereço-lhe água, mas ele recusa. Diz estar com pressa e vai direto ao assunto que o perturba.
Ele me conta que corre contra ele, na Justiça do Trabalho, um processo, movido por um ex-funcionário. Esse processo já está em fase de execução, isto é, ele já foi condenado a pagar a esse funcionário o valor de trinta mil reais. Já houve várias tentativas para que ele pagasse essa dívida trabalhista, mas, infelizmente, não tem condições de arcar com ela – é o que me afirma.
Acrescenta que, como ele não tem dinheiro em contas bancárias e só possui em seu nome a casa onde reside com a esposa e dois filhos, sempre esteve tranquilo, pois sabia que esse imóvel, por ser sua residência e único bem, era considerado, por lei, bem de família, o que impedia de ser penhorado para quitação da dívida. Porém, no dia anterior, ouvira de um amigo que sua casa poderia, sim, ser penhorada. Desde então, não teve um minuto de paz, pois, em hipótese alguma, poderia ficar sem sua casa. “Existe essa possibilidade? ” – ele me pergunta.
Antes de lhe responder, peço que me fale sobre as condições e valor da casa. Ele me conta que se trata de um imóvel localizado em um condomínio considerado de luxo na cidade. É uma casa de dois andares, que deve valer, atualmente, cerca de três milhões e meio.
Pergunto se realmente não tem condições de quitar o débito trabalhista, se não há nenhum outro bem que possa ser indicado para penhora. Ele me reafirma que não tem.
Então, mesmo que eu não queira, contribuirei para aumentar a tensão dele. Digo-lhe que, embora haja divergência quanto a penhorar bem de família, já há várias decisões judiciais autorizando essa penhora no caso de quitação de crédito trabalhista, quando o imóvel é de alto valor, principalmente se comparado ao valor da dívida, e quando o devedor não indica nenhuma outra forma de realizar o pagamento.
O valor a ser pago ao ex-funcionário é um crédito trabalhista e, como tal, é considerado como sendo de natureza alimentar, isto é, considera-se que se destina à subsistência da pessoa. Ficam em jogo, no caso, dois princípios previstos na Constituição brasileira: o do direito à moradia e o da valorização do trabalho humano.
Ele me interrompe, perguntando: “Mas minha casa não é considerada bem de família e, por esse motivo, impenhorável?”
Respondo que a casa dele é bem de família, sim, na medida em que é o imóvel próprio do casal, ou da entidade familiar, o único utilizado pela família dele para moradia permanente. Como bem de família, em regra não pode ser penhorado, mas, em caso de quitação de verba trabalhista, por esta ter natureza alimentar, e sendo imóvel de alto valor, alguns Tribunais têm entendido que pode ser penhorado para quitação da dívida. É que, mesmo retirando o valor para pagamento do que é devido, o devedor ainda consegue adquirir, com a quantia restante, um outro imóvel para sua residência com a família. Entende-se que não há prejuízo para o devedor, que poderá adquirir outro imóvel de padrão semelhante, preservando seu direito a uma moradia digna.
“O fato de eu morar na minha casa há vários anos não impede essa penhora?” Digo-lhe que, nas decisões judiciais que têm determinado a penhora do bem de família, o que se entende é que não é razoável alguém ter um bem de alto padrão protegido de penhora quando é devedor de uma dívida que não é tão alta, deixando à míngua aquele a quem ele deve valor de natureza alimentar. Considera-se que esse crédito trabalhista tem preferência sobre o bem de família.
“O que faço, então?”
Respondo que quitar a dívida trabalhista é o melhor caminho. Sugiro que avalie se não há mesmo nenhuma forma de ele conseguir o valor devido. Se vir que não consegue, de maneira alguma, quitá-lo, deve preparar-se para o embate judicial em defesa de que seu bem de família não seja penhorado. Que caminho lhe custará mais?
Cabe a ele fazer essa avaliação.
De minha parte, avalio que deve buscar todas as maneiras de quitar, o mais rápido possível, o crédito trabalhista.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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