Opinião: Quando a união chega ao fim e ainda nem foi reconhecida como estável
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Ela me liga aos prantos. Mora em outra cidade, por isso só posso ouvi-la. Porém, meu desejo é, ao perceber seu sofrimento, estar próxima a ela, oferecendo-lhe meu ombro amigo.
Conheço a ela e ao seu companheiro há anos. Acompanhei o namoro deles e a decisão de irem morar juntos. Lembro-me de que me perguntei se aquela união daria certo, visto que era evidente a forma depreciativa como ele se dirigia a ela em público. Atitudes assim são sinal de relacionamento abusivo, o que geralmente resulta em separação.
Apesar de perceber essa falha no relacionamento dos dois, eu sabia que ele era uma pessoa de bem. Tive esperança de que, juntos, pudessem aprender uma relação mais saudável. Foi ela a abrir mão de seu sonho de se casar em uma igreja para ir viver com ele. Ele lhe prometeu casar-se, assim que estivessem com a vida organizada. Esse momento não chegou... nem mesmo quando tiveram um filho.
A vinda da criança acentuou o comportamento abusivo dele para com ela. Passou a cobrar dela toda assistência ao filho, mas pouco contribuía para o compartilhamento dessa responsabilidade. Dava a entender que era ótimo pai apenas porque, uma vez ou outra, saía para passear e brincar com o menino. Todas as providências e iniciativas quanto à criança eram tomadas por ela.
Não era preciso que ela me contasse isso; era visível, nas ocasiões em que nos encontrávamos, a forma egoísta como ele se colocava na relação. O modo ríspido de falar com ela evidenciava que esse relacionamento adoecia cada vez mais. Ela parecia não se dar conta disso. Vivia a ilusão de que ele mudaria...
Contudo, como bem sabemos, as mudanças ocorrem quando a própria pessoa as deseja e busca caminhos para viabilizá-las.
Várias vezes ela desabafara comigo, principalmente quando, em um rompante, na hora das brigas, ela o mandava embora, ou ela própria saía de casa. Passados alguns dias, ele e ela encontravam um jeito de voltarem a se falar e retomavam a relação.
As promessas de mudança feitas nunca foram cumpridas – é o que ela me diz agora. Está chorando porque ele lhe comunicou, por mensagem de celular, que sairá de casa. Estão, há três meses, sem conversar, sob o mesmo teto. Quando se falam, só se ouvem palavras agressivas. O filhinho cobre os ouvidos para não ouvir as brigas. Os vizinhos já se cansaram da gritaria.
Ela me pergunta se é assim mesmo que a coisa se resolve: se basta ele pegar as coisas dele e sair de casa, ficando tudo por isso mesmo.
Antes de lhe responder, converso sobre eventuais possibilidades de retomada da relação; se não há mesmo alguma saída para evitar a ruptura definitiva. Ela me diz que tentou tudo o que era possível. Conta que havia aceitado, inclusive, manter-se naquela união até que o filho crescesse mais um pouco e pudesse entender uma separação. Os detalhes que ela me relata e sua convicção de que já não suporta mais viver aquele relacionamento infernal me levam a orientá-la.
Digo-lhe que, se não há qualquer possibilidade de reconciliação entre os dois, o caminho será ajuizar uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Será preciso comprovar a união estável que os dois mantiveram até o momento (já são sete anos juntos). Ambos, como casal, tiveram convivência pública, contínua e duradoura, inclusive com o objetivo de constituição de família, quando sempre deixaram claro seu desejo de ter filhos. Deverá ser requerida a dissolução dessa união estável, o que formalizará a separação deles. Certamente, ela requererá também a guarda provisória do filho, podendo os dois entrar em um acordo sobre ter guarda compartilhada ou ser determinada guarda unilateral, com regularização de visitas.
Quanto aos bens adquiridos durante a constância da união deles, sei que não adquiriram imóvel. Ela me confirma isso, mas diz que ele tem a moto, e ela, o carro, que foram comprados após a união. Digo-lhe que isso, assim como móveis, utensílios, eletrodomésticos e produtos eletrônicos que fazem da parte da residência deles e foram adquiridos no período da união estável deverão ser listados, para que ocorra a partilha entre os dois. De acordo com a lei, vigora, na união estável, quando não se formalizou essa união, o regime da comunhão parcial de bens. Isso significa que os bens comprados na constância da união estável pertencem a ambos os companheiros, devendo ser partilhados. Assim, é muito importante que ela tenha clara a data de início da união estável deles, pois será determinante para a partilha.
Sugiro a ela que converse com ele sobre essas formalidades. Ela me diz que precisa fazer isso, sim, pois talvez ele nem esteja consciente de que terá de assumir uma pensão alimentícia. Pela primeira vez, ele pagará despesas relativas ao filho. Um amigo meu, surpreso com isso, diria, brincando, para quebrar o absurdo dessa falta de compromisso com a criança: “Pode isso, Arnaldo?”
Ela me diz que precisa ir – é hora de levar a criança para a escola.
Em tempos natalinos, fico sinceramente almejando que a Sabedoria faça morada no coração desse casal.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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