Opinião: Quase no além

Anísio Cláudio Rios Fonseca (de Formiga/MG)

Opinião: Quase no além
Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor pesquisador do Unifor e coordenador do laboratório de mineralogia.




 Mexer os dedos da mão direita é quase impossível. Uma enorme pressão se abate sobre eles. Estão feridos e quebrados, acredito. Respiro com muita dificuldade e choro. Expiro o ar em um acesso de tosse e os sedimentos invadem meus pulmões. A tosse convulsiva parece me sufocar inevitavelmente. Engulo bastante terra e parece que vou explodir em tosse. 

O ar me falta e penso que chegou minha hora. Meu desespero cria alucinações. Sinto uma sede tão intensa que meu corpo parece estar todo trincando. Quero gritar em minha loucura, mas não posso, pois cada movimento faz com que mais terra deslize e me aperte nesse túmulo imundo. Meus membros estão retorcidos em posições horrorosamente estranhas. Quebrei dedos, costelas, um braço e não sinto minhas pernas. Que pavor. Morrer ou ficar paraplégico! 

Num esforço sobre-humano, consigo deslocar meu braço esquerdo e a dor alivia um pouco. Respiro com um pouco mais de facilidade. Escuto alguns ruídos ao longe, mas podem ser peças que minha imaginação está me pregando. Não sei há quanto tempo estou debaixo destes escombros. Nem sei se ainda estão me procurando. Faz quanto tempo que estou aqui? Minha boca está tão seca que eu não conseguiria falar nada. 

Penso nos motivos que me levaram àquela situação. Promessas de riqueza fácil e o reconhecimento da minha coragem. Minha fama me precedeu e fui escolhido para palmilhar lavras que outros, homens raquíticos, não adentrariam. A época do ano não é propícia para estas aventuras. Os túneis estão instáveis devido às chuvas e as partes alteradas caem todo o tempo. O escoramento é feito miseravelmente e não garante nenhum tipo de segurança. De nada adianta todo o aparato disponível. O piso está encharcado de água freática. 

O que pensei que não iria acontecer comigo, aconteceu. Sei que meus companheiros me são fiéis e devem estar sangrando as mãos para me tirar aqui. Sinto uma grande pressão que parece querer sugar minhas pernas. Pode ser outro deslizamento. Se for, pode me puxar para o túnel inferior e me matar sufocado em instantes. Cada vez que respiro, é um enorme esforço. Meu peito ergue uma enorme massa de sedimentos para que possa expirar ou aspirar. Acho que não tenho saída. Parto desta para uma situação de débito, por nunca ter feito nada de importante na vida. Nunca tive nada! Nem uma casa pra morar. Nem um carro decente! Sem filhos, sem esposa; apenas uma namorada gentil que poderia ocupar o cargo de razão do meu viver. Pretendia comprar algo para ela. Choro! Estou desidratado e provavelmente com hipotermia, porque o solo está muito úmido e tenho calafrios.

Com muito esforço toco meu inseparável martelo de prospecção. Tento em vão encontrar a alça de seu cabo para segurá-lo mais firmemente. Meu objetivo nesta missão suicida está firmemente apertado em minha mão direita. Fiquei tão maravilhado ao encontrá-lo que nem atinei em guardá-lo em um dos pequenos recipientes que trago presos em meu cinto. Espero que não se perca depois que resgatarem meu corpo, pois apertar a mão é muito doloroso. Mais horas ou dias se passam. Sonho o tempo todo com locais paradisíacos e cheios de lindas garotas. Acho que já morri. Mais tempo se passa e sinto um pequeno clarão na escuridão. Chega a me cegar, pois a luz não me toca há muito. Vejo a figura de um anjo ao longe. 

A visão embaçada me confunde. Sou puxado pelas pernas e grito de dor e alegria. Num esforço enorme tento pegar meu martelo, mas em vão. Aplausos gerais. Os heróis me salvaram. Enquanto lavam meus olhos, peço que salvem meu martelo. Nada faz com que eu abra minha mão direita. Minha linda chega e chora convulsivamente. Na frente de todos, entrego a ela secretamente o objeto que apertei até sangrar minha mão. O diamante que quase tirou minha vida tem forma de pião e pesa mais de 2 ct (carats). É incrivelmente vermelho, como os que só se acham em Cedro do Abaeté. Isso deu pra ver antes de ser soterrado.

 Ela o guarda em segurança. Pouco depois meus amigos me entregam meu martelo. Que alegria! Tudo o que não fiz na vida poderei fazer com a venda desta preciosidade que meu martelo ajudou a escavar. Todas as minhas fraturas irão sarar. Terei mais que uma esperança na vida. Depois que tudo isso passar, sei lá, acho que vou me meter em algum buraco hediondo destes novamente e achar mais alguma preciosidade.