Opinião; Quer anular seu casamento por ser vítima do golpe do amor
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Diante dela, ouvindo-a, minha sensação é que estou assistindo a uma novela. Digo-lhe que, às vezes, quando deparo com casos como o que ela me relata, fico pensando que a vida é um folhetim. Ela não entende o que quero dizer.
Explico-lhe que, nas primeiras décadas de 1800, os romances eram publicados em capítulos, diariamente, nos jornais. Daí o nome folhetim, que, além de se referir a romance, pode remeter também a novela.
Comento que a vida me parece uma novela. Vivenciamos, a cada dia, um novo capítulo, mas, muitas vezes, nem percebemos isso. Nós a vemos como se fosse um novelo, fio único que se vai estendendo. Seguimos adiante sem perceber que cada novo dia é oportunidade para construção de um novo jeito de ser e viver. Cada dia é um novo capítulo.
Ela me observa falar. Não sei o que pensa da reflexão que faço em meio ao que me conta, mas sei que refletir sobre a vida é o que menos interessa a ela no momento. Então, volto minha atenção exclusivamente para seu relato.
Conheceu o marido logo que se mudou para Belo Horizonte. Estava almoçando em um restaurante que ficava próximo ao trabalho dela, quando ele se aproximou e pediu lugar à sua mesa, pois o local estava lotado. Bonito, educado e simpático, formado em Administração, logo iniciou uma boa conversa com ela. Combinaram de sair juntos no final de semana.
Chegou bem vestido, dirigindo um Mini Cooper azul. Levou-a a um restaurante famoso na Savassi e contou-lhe que era um empresário de Bauru. Estava em Belo Horizonte preparando o lançamento de uma loja, filial da que o pai dele tinha naquela cidade. O espaço estava em reforma. Desde que chegara, estava hospedado em um apart hotel.
Depois disso, encontro vai, encontro vem, estreitaram laços. Ele ostentava uma condição financeira estável, sempre proporcionando a ela momentos especiais e caros de lazer. Uma noite, durante um jantar regado a um bom vinho, ele a pediu em casamento. Ela não teve dúvidas em dizer sim. Ele lhe disse que poderia ser uma cerimônia simples em um cartório e propôs mudar-se para o apartamento dela até que se casassem. Assim foi feito.
Alegando estar com seu dinheiro aplicado, ele pediu, sem que ela soubesse, quatro cheques emprestados à irmã dela para os preparativos do casamento. A cunhada logo atendeu ao pedido – queria a felicidade da irmã.
Casaram-se sem que os parentes dele estivessem presentes. Pelo que ele disse, o pai tivera de viajar ao exterior para resolver problemas da empresa. Logo na primeira semana de casada, estranhou o fato de ele acordar tarde. Quando ela saía para trabalhar, ele ainda se encontrava deitado. Os dias foram passando, e ela não percebeu nenhum movimento dele quanto às providências de reforma do espaço onde seria instalada a filial.
Estranhou também o fato de a irmã dela pedir sempre para falar com ele. Questionou-a quanto a isso, e ela lhe revelou tudo sobre os cheques emprestados. Contou-lhe que estava desesperada, pois ele deixou que fossem descontados, contrariando o que dissera a ela. No momento, ela estava com saldo devedor no banco, e não sabia mais o que fazer.
Perdeu o chão quando ouviu isso. Sem titubear, foi até o marido e o pressionou. Ele a tranquilizou, dizendo que iria até Bauru conversar com o pai para que lhe antecipasse dividendos da empresa. Para isso, pediu o carro dela emprestado.
Depois disso, ela não o viu mais. Conseguiu, a muito custo, que ele atendesse a um telefonema. Ela pediu que lhe trouxesse o carro de volta e lhe disse que, se não fizesse isso nem quitasse a dívida com a irmã, elas o denunciariam. Nesse momento, ela teve a dimensão da pessoa que ele era. Ele as ameaçou de morte, caso fizessem isso.
Não teve dúvidas. Não ficaria nas mãos daquele canalha. Registrou um boletim de ocorrência contra ele e pediu a busca e apreensão do carro. Descobriu, na delegacia, que ele, dois anos antes, havia sido preso por extorsão praticada contra uma namorada.
Dois meses depois do registro do boletim, ele foi localizado no Rio de Janeiro, fazendo-se passar por engenheiro diante de outra potencial vítima.
Agora, ela quer saber se é possível ingressar com uma ação de anulação do casamento. Sim, é possível. Houve um erro essencial quanto à pessoa do outro. Esse tipo de erro dá-se quando o cônjuge mente sobre sua identidade, sua honra e boa fama.
Pelo que me contou, o marido dela é um farsante. Apresentou-se como uma pessoa com situação econômica e financeira estável, mentiu ao se dizer formado em Administração, afirmou ter uma conduta ilibada (quando, na verdade, já tinha sido preso), tudo com o intuito de enganá-la e tirar proveito dela e de seus familiares. A descoberta desse engano, os fatos ocultados a ela tornam insuportável a vida a dois, o que pode fundamentar o pedido de anulação. Se os conhecesse previamente, seu namoro poderia não culminar em casamento.
Ela me pergunta se o Juízo pode negar o pedido de anulação devido ao fato de o tempo entre o namoro e o casamento dos dois ter sido muito curto (apenas seis meses). Digo-lhe que, mesmo tendo sido curto esse período, isso não a impede de ser bem-sucedida na ação judicial. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou nesse sentido.
“Então, vamos adiante. Preciso encerrar esse capítulo da minha vida” – ela me diz. Vejo que compartilha da ideia de que a vida é uma novela. Não lhe digo, mas penso: nessa novela, somos mais que personagens. Somos seus autores. Não permitamos que ninguém nos torne joguete ou marionete.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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