Opinião: Quis união estável com separação total de bens, mas não deu certo
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

É meu primo e me procura como tal. Conta que, quando ele e sua companheira decidiram formalizar sua união estável, já estavam morando juntos há cinco anos. Para essa formalização, procuraram informações sobre o regime de bens que se aplicaria à união. Souberam, então, que a esse tipo de união, quando o casal não expressa a vontade de que seja outro o regime, vigora, por lei, o da comunhão parcial de bens.
Explicaram-lhes que, na comunhão parcial, todos os bens adquiridos individualmente após o casamento são considerados comuns ao casal. Em eventual separação, esses bens são partilhados igualitariamente, mesmo que apenas um tenha despendido dinheiro para adquirir algum deles.
Sabendo que tinha um salário mais alto e que era mais organizado do que ela em termos de finanças, aquilo o incomodou. Achou que não seria justo partilhar um bem que tivesse sido adquirido somente com o dinheiro dele. Então, foi direto ao ponto. Deixou claro para ela que poderiam formalizar, sim, sua união, desde que fosse com separação total de bens.
Argumentou que considerava esse regime mais justo, pois os bens de cada um deles (tanto os anteriores à formalização da união estável, quanto os que viessem a adquirir ao longo dela) não se comunicariam ao longo dessa união. Se viesse a ocorrer uma separação, cada um seria dono dos próprios bens que adquirisse.
Ela não se opôs a isso, dando provas de que seu interesse não era financeiro. Assim, diante do tabelião, na escritura pública em que declararam viver em união estável, declararam também a adoção do regime de separação total de bens.
Agora, passados sete anos, os dois se separaram. O relacionamento se desgastou, e ele se envolveu com outra pessoa. Apaixonado, conversou com ela e disse que pediria a desconstituição da união estável. Tranquilo quanto à partilha de bens, ele partiu para a separação.
Para sua surpresa, ela ajuizou uma ação requerendo a nulidade da cláusula de eleição do regime de separação de bens adotado no momento em que formalizaram a união estável. O argumento do advogado dela é que não foi respeitada a regra estabelecida em lei para adoção de um regime de bens diferente da comunhão parcial de bens. Ele não está entendendo o que significa isso, por isso pede minha ajuda.
Explico a ele que, quando o casal em união estável decide adotar um regime diverso da comunhão parcial de bens, isso tem de ser feito da forma prevista em lei. A lei determina que isso se dê por meio de um contrato prévio, separado (semelhante a um contrato antenupcial), e não na própria declaração de união estável. O não cumprimento desse requisito é que está dando fundamento à ação que a ex-companheira ajuizou. Como consequência, se o Juízo julgar o pedido dela procedente, todos os bens do casal, adquiridos na constância da união estável, serão partilhados igualitariamente entre os dois. O regime de bens deixará de ser separação total para se tornar comunhão parcial.
Ele pula da cadeira, exaltado. “Mas era isso que eu não queria! Deixei isso tão claro! Está escrito na nossa certidão de declaração de união estável!” Não consegue entender que, se a lei exige que uma declaração de vontade seja feita de determinada forma, é fundamental, para que o documento tenha validade legal, que ele seja feita exatamente dessa forma prescrita. Um negócio jurídico é nulo quando não se reveste da forma prescrita em lei.
Ele me interrompe: “Mas já passaram mais de cinco anos! Ela ainda tem direito de requerer essa nulidade?” Respondo-lhe que ela tem, sim, esse direito. Alegar a invalidade de um negócio jurídico é um direito que não prescreve – a nulidade pode ser alegada a qualquer tempo.
Não o iludo: é provável que a decisão seja no sentido de fazer incidir a comunhão parcial de bens. Ele diz que está arrependido por não ter procurado a assistência de um(a) advogado(a) quando decidiu formalizar a união estável. Digo-lhe que não gaste energia chorando sobre leite derramado; o que lhe resta é aprender com a situação.
Maria Lucia de Oliveira Andrade
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