Opinião: Recusa-se a partilhar a casa construída no lote que era só dele

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Recusa-se a partilhar a casa construída no lote que era só dele
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Meu primo decidiu viver em união estável assim que conseguiu um bom emprego. Alugou uma pequena casa e ali foi viver com sua namorada. Sempre que pagava o aluguel, reclamava da obrigação de ter de “gastar dinheiro com a casa dos outros” – era assim que se expressava. A companheira dele se cansou daquela ladainha de todo quinto dia de cada mês.  Já eram quase dois anos ouvindo aquela lengalenga. Pelos termos que usa, percebo que ele tem consciência de que é mesmo muito chato ouvir alguém lamentando o dinheiro que gastou, especialmente se é despendido com necessidade básica, como é a moradia.

Ele me conta que foi ela quem tomou a iniciativa para dar um fim às reclamações –  avaliou as economias que tinham conseguido juntar após a união estável, bem como as despesas mensais dos dois e chegou à conclusão de que, juntos, conseguiriam construir uma pequena casa para eles. Como ele tinha um lote, poderiam fazer isso nesse terreno.

Ela propôs isso a ele, logo que voltou a ouvir o costumeiro lamento. Conversaram muito, pesaram prós e contras e optaram pela construção. A partir do momento da decisão, revisaram o orçamento doméstico, verificando onde poderiam economizar, visto que precisariam de recursos certos para custear a aquisição de material e o pagamento da mão de obra.

Apesar dos recursos minguados, foram persistentes e construíram sua casinha. Pelo que ele me relata, parece que, quando foi atingido o objetivo em comum, a união dos dois esfriou. Enquanto estavam envolvidos na construção, eventuais insatisfações de um em relação ao outro passavam despercebidas. (Ouvir isso dele me faz lembrar algo que uma amiga casada há muitos anos comentou certa vez: casamentos duram quando o casal tem planos em comum.)

Contudo, quando a casa ficou pronta e depois que a mudança foi feita e passou o entusiasmo com o novo lar, a atenção a essas insatisfações se tornou o centro do relacionamento do casal. Era ele reclamando dela; era ela reclamando dele – que coisa maçante! Chegaram a tal ponto que um não suportava a companhia do outro. Perceberam que não fazia sentido continuarem juntos.

Decidiram separar-se e, para surpresa dele, nessa conversa de término, ela lhe disse que a casa deles teria de ser partilhada entre os dois. Achou um disparate aquilo. Ora, o lote já era dele antes de os dois passarem a viver juntos; foi ela que insistiu em que construíssem ali. Se ela colocou dinheiro na construção, fez isso sabendo que o lote era dele. E ele continua sua fala, desfiando um rosário de motivos que supostamente lhe dão razão para não partilhar a casa com ela.

Deixo que desfie seu rosário... talvez assim sobre algum espaço para que ele consiga entender e aceitar o que lhe direi.

Explico-lhe que, na união estável, vigora o regime da comunhão parcial de bens. Tudo o que o casal adquire durante essa união pertence aos dois, mesmo que um não contribua financeiramente para a aquisição. Quando os companheiros se separam, os bens adquiridos na constância da união estável são partilhados entre os dois, meio a meio. A casa foi construída nesse período, portanto terá de ser partilhada com ela. Já o lote pertence apenas a ele, pois foi adquirido antes da união estável. Este não será partilhado.

“Mas como vamos separar casa e lote? A casa está no lote.” – ele me pergunta. Respondo-lhe que terão de fazer um levantamento do valor da casa e excluir o valor do terreno para, assim, chegarem à quantia que será partilhada. Um dos dois pode comprar a parte do outro, ou colocar tudo à venda para, em seguida, fazerem a partilha do valor. É claro que ele receberá uma quantia superior à dela, pois esta será composta da parte que lhe cabe na casa, somada ao valor integral referente ao lote, que é exclusivo dele. Comento que talvez seja melhor que ele compre a parte dela, tornando-se o único dono do imóvel completo. Porém, logo me calo, pois essa é uma decisão que cabe a ele.

Vejo-o reagir da mesma forma como muitos que acham que “morar juntos” não traz nenhuma consequência caso haja separação. Quando se dão conta de que terão de dividir igualitariamente tudo o que foi adquirido durante a união, exasperam-se, culpam o outro e amaldiçoam a lei que rege isso. Na verdade, a irritação é consigo mesmos – constatam que não analisaram previamente todos os aspectos envolvidos na decisão de constituir união estável.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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