Opinião: Rubinho, Moisés e o Sebastião da Farmácia
Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Eu, minha irmã Cecília e meu irmão Toninho Maria tivemos uma educação rígida. Mamãe e papai não eram de dar moleza, a gente tinha hora pra estudar e éramos obrigados a ter uma postura nobre e gentil em diversas situações. Deu resultado, não me lembro de nossos pais terem de ser chamados à escola ou de receberem reclamações por alguma insubordinação que por ventura tivéssemos cometido.
Das inúmeras regras que éramos obrigados a cumprir, uma das mais observadas era com relação a cumprimentar as pessoas mais velhas: “Bom dia!”, “Boa Tarde!” e “Boa noite!” eram exigências inquestionáveis. Se a pessoa fosse mais velha e conhecida da família, era para parar o que estivesse fazendo e dar um entusiasmado sorriso acoplado a um “Bom dia!”, um “Boa tarde!” ou um “Boa noite!” e, se possível, um “Como vai?”.
Certa vez, lembro-me bem que Toninho levou um beliscão de arrancar pedaço porque íamos à casa da senhora Geralda do Nicodemos, que fica atrás da Sede da Banda, quando duas irmãs amigas de mamãe, Dair e Maria Pereira, que moravam em frente, falou um “Oi!” e ele ignorou. Na verdade, acho que ele nem viu, mas a reprimenda veio exemplarmente.
Se for para relembrar o dia a dia da nossa infância, acho que o Toninho cumpria o riscado na grande maioria das vezes, só que havia dois amigos de papai que não recebiam dele o tratamento adequado nem se chovesse Mirinda ou Grapete. Eles eram o Rubinho e o Moisés, dois funcionários da Drogaria Santa Maria (aquela mesma que propunha “Vida longa e sadia”), nunca tiveram direito a um “Bom dia!”, um “Boa tarde!” ou um “Boa Noite!”.
Antigamente em Formiga, era muito mais comum as pessoas irem se receitar com os experientes profissionais de farmácia do que procurarem um médico no Posto de Saúde. Quando alguém gripava, tinha coqueluche ou catapora, era só ir à Drogaria Santa Maria e procurar o Rubinho ou o Moisés, que estavam sempre dispostos a receitar alguma coisa, na maioria das vezes, uma injeção. É isso aí, como dar um “Oi! pra quem aplicava injeções? realmente, não mereciam.
Certa feira, cansado de dar broncas, papai falou com Toninho que tinha aparecido um novo funcionário na drogaria e que daquele dia em diante, nada de Rubinho ou Moisés, apenas o Sebastião. Um jovem simpático e de mão bem leve, com ele, nenhuma injeção ia doer.
Era uma segunda-feira bem cedo quanto Toninho começou a reclamar de uma insuportável dor de garganta. Havia placas nas amígdalas e era preciso ir à Santa Maria. Lá chegando, papai foi logo dispensando os bons atendimentos do Rubinho e do Moisés, quem iria tomar conta do caso era o Sebastião.
O novato funcionário levou Toninho para um quartinho azulejado e bem iluminado que havia nos fundos da drogaria. Com um pauzinho de picolé em uma mão e uma lanterna na outra, ele analisou o problema e deu logo a receita: “Benzetacil”, a injeção que era o terror de todas as pessoas de bem, dizem que a dor do parto é menor.
Daquele dia em diante, Toninho quando via o Rubinho e o Moisés só faltava abraçar e pular no colo, eu nunca vi ninguém tão educado na vida. Ou eram eles ou o Sebastião com aquele seringa de meio metro de endurecer o braço e fazer chorar.